quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

NANANINANÃO!!


Por Patrícia Leite

A violência atravessou a vida daquele ser com tanta ferocidade que era impossível não pensar como pôde sobreviver.

Os pais se separaram cedo e logo se casaram com outras pessoas, antes mesmo que ela pudesse completar três anos. A infância lhe foi roubada e prematuramente as bonecas foram deixadas de lado.

Todos os dias, aquela criança brincava de luta com irmão. Perdia sempre, porque parecia um “espirro” de tão mirradinha que era. Mas no outro dia estava lá...Brincando de luta novamente. O judô era a técnica usada e o golpe mais treinado era, não por acaso, o mata leão.

A dislexia acentuada não a impediu de graduar com louvor. E já adulta o desempenho profissional orgulhava a todos. Começou a trabalhar cedo, não porque tivesse necessidade financeira, mas porque necessitava ser livre dos excessos de ameaças, opressão, medo, insegurança, abusos.

Lutar...Lutar...Como lutar? Perguntas que lhe roubavam o sono todas as noites ou a assombrava em pesadelos de derrotas. Quem deveria protegê-la e amá-la sentenciou-a ao sofrimento diário, a angústia permanente e por fim a solidão dos reclusos em si mesmo.

Aprendeu a sorrir em público, mesmo com a alma rasgada. Empenhou-se mais que qualquer outra criança para obter sucesso nos estudos. Sim, foi vítima. Foi um “brinquedo” manuseado pelo mal. Mas trazia no espírito a certeza que o mal não triunfaria.

Seus amigos, a mãe, o irmão e sua fé eram seus pilares emocionais. A liberdade parecia ser um “regalo” intangível. Pediu muitas vezes este presente de Natal. Mas, ano após ano, Papai Noel trazia tudo: brinquedos, roupas, sapatos, viagens. Mas sua liberdade não trazia.

Parou de esperar. Já não acreditava mesmo, há muitos anos, em Papai Noel. Ela se daria este presente e se deu. Deu e compartilhou com o mundo. E ensinou ao mundo que não esperasse e corresse atrás.

Ela se sentia mais segura na rua. E isso não estava certo. Era uma prisioneira do medo. Mas deixou de ser no momento em que decidiu romper o silêncio e denunciar ao mundo o que acontecia. Encontrou a liberdade, finalmente. Se deu esse presente.

Muitos ficaram surpresos. Muitos não podiam crer que algo tão ruim pudesse estar tão dentro de casa. Crescemos ouvindo que os perigos estão na rua. Que a casa é o nosso lugar de conforto e segurança. Mas ela não é uma história isolada. Ela é parte de uma estatística assustadora. Mas ela não quer ser apenas um número e nem eu posso permitir que ela o seja. Pessoas não são números, principalmente números que nos envergonhem.

Neste finalzinho de ano, em nome desta criança, que prefere ser lembrada pelas inúmeras vezes que se levantou de suas quedas e de seus sofrimentos e em nome de todas as crianças do mundo, eu peço de presente de Natal atrasado, muito atrasado, a papai do céu, que nenhuma criança mais tenha sua infância roubada.

Aos homens e mulheres de bem, que fazem ou não parte do meu círculo de amigos, vou aproveitar e dar uma de pidona. Por favor, presenteiem todas as crianças do mundo, sejam vocês ricos ou pobres. Sejam 365 dias do ano o papai ou a mamãe Noel destas crianças.


* O abuso sexual infantil é crime. Denuncie!

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

AMIGOS


É... O que dizer sobre eles? Não sei, nunca soube. Mas quando estamos juntos, quando nos reencontramos é sempre muito especial. Não importa se ficamos décadas sem se ver ou se nos vemos todos os dias. Sempre é especial estarmos juntos.

Nestes dias especiais, vale lançar mão da máxima: “uma imagem vale mais que mil palavras”. Porque a imagem de um sorriso, de um abraço e de um afago ficam pra sempre na memória.

Quando realizei sonhos, caí, levantei, pintei a cara e fui as ruas lutar por direitos... Lutei por mim e por vocês que não puderam estar lá. Só porque somos amigos.

Quando lhe dei conselhos e você não quis ouvir, não fiquei chateada. Entendi a imaturidade própria da sua idade. E foi com esta irreverência do não me ouvir que vocês me ensinaram a exercitar a humildade, o respeito e a dar sem esperar nada em troca.

Sim, esta declaração pública de amor pode parecer piegas. A amizade é piegas, no melhor sentido da palavra, e desejo que seja. Porque desejo que toda sorte de excesso de sentimentos nos visitem com frequência. Amizade não é sentimentalismo barato. Amizade é feita de sentimentos nobres.

Para mim, uma amizade verdadeira é aquela que pode dizer verdades sinceras. Porque amizades e verdades, de fato, resistem ao tempo e as turbulências da vida.
Sabe amigos, tivemos muitas lutas ao longo do percurso, mas vencemos todas!

Sim, nos dias de batalha somente o calor de tuas mãos repousadas sobre as minhas me confortaram em silêncio. E quando as palavras secaram na minha garganta e os meus olhos verteram lágrimas...Vocês estavam lá e não me deixaram sozinha.

Quando o teto desabou sobre minha cabeça e o chão me faltou debaixo dos pés... Vocês foram meu abrigo. Quando meus olhos ficaram opacos de desalento vocês me olharam com tanto amor que foi possível enxergar luz no meio de toda aquela escuridão.

Mas se hoje escrevo sobre nossa amizade não é para agradecer. Porque vocês também me ensinaram que a amizade dispensa agradecimentos. Todavia, para falar de amizade, para alguém como eu que vive de reportar fatos, é parar tudo e sentar aqui de frente para uma folha em branco sei o uso da técnica, guiada pelo coração, porque vocês me inspiram a dizer ao mundo que nada me faltou até aqui e nunca me faltará porque tenho vocês para preencher todos os vazios, todas as ausências, todas as lacunas.

Porque escrever sobre a importância de vocês é dizer que onde há amor não há espaços e intervalos. E vocês meus amigos são meus amores. Porque quando sonhei vocês também sonharam e me ajudaram a alcançar meus sonhos. Porque amo vocês e vocês são para sempre.


quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

SIM, EU SOU


Por Patrícia Leite

Sim, sou do tipo urgente, do tipo que tem pressa.
Sim, sou parte daquela gente em que os minutos parecem horas quando tenho que esperar por um sorriso.
Sim, sou aquela que acha que a hora corre quando estou em um dia feliz.
Sim, eu sou sorriso e sou lágrima.

Sim, sou a água fresca que te banha nos dias quentes.
Sim, sou o fogo que crepita para aquecê-lo nas noites de inverno.
Sim, sou a terra de onde brota o seu alimento.
Sim, sou o ar por onde voa seus sonhos e os meus.
Sim, sou água terra, fogo e ar...

Sim, creio em sinais, observo símbolos.
Sim, tenho gestos impacientes com gente chata.
Sim, tenho fala mansa com gente simples.
Sim, tenho olhos de sol capazes de aquecer corações amargurados pela tristeza.

Sim, sou calma e estresse.
Sim, eu sou pressa e sou pausa.
Sim, paciência e irritação não me definem...

Sim, eu sou inconstante, sou metamorfose.
Sim, sou roça e sou cidade.
Sim, sou tempestade e calmaria.
Sim, sou os opostos de mim mesma.

Sim, as vezes meu espírito acha meu corpo apertado.
Sim, às vezes minha alma rasga a minha carne e sai para um passeio.
Sim, às vezes estou em outro lugar, mesmo estando na sua frente.

Sim, acho que a vida tem compassos de espera e de corre-corre.
Sim, sou os quatro elementos e não sou nenhum ou todos ao mesmo tempo.
Sim, eu sou tudo aquilo que quero ser.

Sim, eu sou...Queira você ou não...Eu sou...Sou única, singular, inimitável...Sim, eu sou...


terça-feira, 17 de dezembro de 2013

EMBRIAGADO DE PERDAS



Não existe esta de amor, berrou aquele rosto anônimo no meio da multidão.

Bêbado, tropicando, recolocou um cigarro apagado e amassado no canto da boca. Ergueu a garrafa de whisky, fez um brinde no ar, como se batesse em outra garrafa, e pediu a opinião do liquido dourado que repousava dois dedos no fundo da garrafa.

Né, Joãozinho? Não existe amor, né? Fala pra eles! Amor...mi...mi...mi...Amor...
Só você realmente me entende, meu amigo de todas as horas. Bora caminhar...

Cambaleou, buscou o isqueiro no bolso da calça e resmungou: 

– Aquela vagabunda nunca me amou. Não porque ela não quisesse me amar, mas porque o amor não existe. Se existisse, ela não teria partido.

Depois de tudo que vivemos juntos, das risadas que demos, dos passeios especiais nos fins de semana, dos planos de um futuro compartilhado, filhos, viagens... Como alguém pode te chamar de amor, adormecer nos seus braços, transpirar de desejo e depois dizer que vai embora?

Tive vontade de matá-la quando ela disse que amor não enche barriga...Que aquele convite de trabalho era importante para sua carreira...Que ponte aérea e internet estão à disposição para aproximar as pessoas. Mas ela foi e não me ligou nem uma vez...

Tá, João, se ligou não sei. Não precisa ficar me repetindo isso. De tanto olhar pro cristal do celular esperando ele acender com o nome dela escrito sem que isso de fato acontecesse... Quebrei o telefone.

(…) – Silêncio!

No fundo queridão, eu já sabia que ela não iria mesmo ligar e deu de ombros, como se não se importasse.

Depois, sorriu amargamente. Bebeu mais um gole no bico da garrafa e desatou a chorar. Sentou-se no chão e fez uma oração ininteligível. Vez ou outra era possível ouvir: 

– “Deus me ajude!!”

Os passantes olharam com um certo pesar no olhar. Um mais gaiato soltou a pérola: “Que seja eterno enquanto dure, já dizia Vinícius, meu bom”. Olhou pra trás para ver a reação, sorriu e seguiu seu caminho.

Para espanto de todos, aquele homem de roupas caras, sapatos de grife, ainda que bêbado, surpreendeu a todos com sua cultura e sua verve: 

– “E em seu louvor hei de espalhar meu canto. E rir meu riso e derramar meu pranto. Ao seu pesar ou seu contentamento”. Porque o que queima em meu peito, ainda que me doa muito, será eterno enquanto dure.

Levantou do chão, ergueu mais uma vez a garrafa e perguntou como quem espera resposta: – Bora João? Vamos descer juntos a rua desta solidão?




sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

CHEGADAS E PARTIDAS

Por Patrícia Leite

O dia despertou frio e chuvoso, nuvens carregadas e escuras encobriam o sol. O cheiro de terra molhada cheirava também a tratos, acordos, e certos combinados. Um gole d'água ajudou a descer uma lágrima que teimava em querer cair e disfarçou o gosto amargo – travo de saudade.

Em pé na estação, esperou silenciosamente o trem da partida. Todos falam das lágrimas e da dor de quem fica, mas quem vai sente-se igualmente doído. Todavia, ninguém nota.

Mais uma mudança. Tudo na vida tinha prós e contras, pensou. Trazia na postura e no modo de andar a obrigação de se adaptar. Pensou na teoria da evolução. Seria preciso fazer novos amigos, assumir um novo posto de trabalho, transformar o próximo teto em abrigo, em casa, em lar.

A mudança partiu antes e chegaria também antes dela. E ela poderia passar um tempo só, antes de arregaçar as mangas e colocar tudo no lugar. O seu caos interno também precisava ser organizado. Enquanto isso, aproveitaria para visitar lugares novos, curtir as festas de fim de ano, ver parentes.
Levantaria um brinde silencioso em seu nome e em nome do que viveram juntos, antes de fazer uma ligação desejando um feliz ano novo.

O freio do trem fez ranger os trilhos e a trouxe de volta a realidade. Observou em volta. Tudo era envolto em uma aura de abraços e gritos de euforia dos que estavam chegando e encontrando filhos, família, amores. A festa própria das chegadas. Mas ela estava indo... E, por mais acostumada que estivesse com as mudanças constantes, aquele lugar tinha lhe dado algumas alegrias. Sentiria falta de alguns recantos e de algumas pessoas. Uma em especial.

Deixou para trás alguém que lhe confessou amor e cumplicidade. Alguém com quem compartilhou sonhos e trocou confidências. Sabia que podia voltar quando quisesse, sabia que podia vê-lo sempre que tivesse vontade. Mas sabia que ele estava longe do seu alcance, naquele momento.

A sala não estaria mais cheia da sua gargalhada. Os lençóis não guardariam por muito tempo o seu perfume. O seu cantarolar não estaria mais preenchendo seus silêncios. Teria uma ou outra foto que poderia olhar vez ou outra. Memórias. Tentou concentrar-se no futuro. E foi impossível não pensar se haveria um futuro para eles.

Segura e altiva sustentou um sorriso no rosto tímido e deixou escapar em voz alta: É a vida!! Mas a vida é cheia de sonhos... E ela sabia sonhar. Sonhou sair do interior, sonhou em ter sucesso. E teve. Sonhou muitos sonhos que foram aos poucos se tornando realidades. Não seria agora que perderia a capacidade de sonhar novos sonhos e focar nas novas metas.

As lágrimas quiseram cair novamente e ela as segurou. Não choraria. Não iria se expor. Bancou a durona. Não haveria adeus. Beijou-lhe suavemente os lábios e disse apenas: – A gente se fala. Estava partindo...Mas quem parte, cedo ou tarde, também chega para um novo recomeçar.

Idas e vindas... Sabia que tornariam a se ver em breve. Era uma questão de tempo. Tinham planos e não desistiriam de seu destino. Já não eram mais crianças. Ambos eram maduros e saberiam esperar pela hora da chegada. Ainda assim, sentia-se como uma pena ao vento...


Trazia no íntimo a certeza de que os sonhos ajudariam. E que os bons ventos que carregam consigo os sonhos os levariam para onde desejavam estar. Talvez não houvesse gritos de euforia na chegada, mas haveria o longo suspiro de quem está definitivamente livre para voar alto e muito além da linha do horizonte.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

BALANÇOS, PLANOS E METAS



Por Patrícia Leite

Tinha no andar a urgência da atitude desmedida. Era dona de uma imagem impecável e sabia e usava isso a seu favor. Unhas sempre bem-feitas e um corte de cabelo moderno emoldurava um rosto maduro. Uma maquiagem leve e sóbria completava o look discreto da roupa elegante que se propunha a vestir no dia a dia. Quando estava triste trocava o sóbrio pelo floral repleto de cores alegres.

Mas, sóbrio ou alegre demais, tudo não passava de um disfarce meticulosamente calculado para esconder e camuflar bem os seus sentimentos. Por isso, sorria, acenava com a cabeça e distribuía, por onde passava, educados desejos de bom dia.

O perfume marcante ficava no ar enquanto, do alto dos seus saltos 15, ela claqueteava o piso que a conduzia do elevador até sua sala. Quem via, certamente, pensava o quanto aquela mulher podia ser e estar sempre tão feliz. Alguns chegavam a invejá-la.

No birô de trabalho, dedos ágeis faziam relatórios, pontuavam e traçavam metas, e ainda enviavam, por e-mails, os textos que ela escrevia para si mesma contendo tudo o que ainda deveria ser feito nos próximos dias.

Fim de ano sempre envolvia balanços, planos e metas. Era o chamado tempo da urgência. Precisava colocar a casa em ordem. Mas como fazer aquilo se sua vida estava em completo desalinho.

Ela fingia não desanimar, mas vivia uma onda de desordem interna quase impossível de ser reorganizada. Até o final do dia, o relatório deveria ser encaminhado para os seus superiores. Mas ela estava tranquila quanto a isso.

Era tão organizada que mantinha os dados prontos para serem entregues a qualquer momento bastando apenas um ou outro detalhe de pouca importância para ser incorporado ao documento. Ainda assim, sempre relia tudo antes de enviar. Neste dia não foi diferente.

Assim que clicou em enviar, os pensamentos de repente mudaram de rumo. Resolveu escrever o seu relatório pessoal... Era hora de fazer o balanço do que vinha acontecendo em sua vida. Desesperou-se quando percebeu que neste setor – o da sua vida pessoal – não havia um só apontamento, um dado sequer.

Repassou mentalmente as poucas vezes que sentou para ver o sol se por ou nascer, às vezes que andou descalça e sem compromissos, que sentou para bater um papo descontraído com parentes e amigos ou que simplesmente andou sem pressa na chuva ou pela areia...Viveu para acumular patrimônio? Pensou, abrindo as gavetas da memória. Sim, aquela mulher deixou pra trás o que realmente importava.

Abriu um novo documento na tela e começou a enumerar e elaborar um novo modelo de projeto com introdução, objetivos, gerais e específicos, tempo de realização, metas...Enfim, tudo o que é possível prever em um projeto de grande monta. E concluiu:


Caminharia sob estrelas, nadaria em águas tranquilas e turbulentas...Se aventuraria, saltaria sem paraquedas na vida. Mas, ainda assim, segura do que quer. Porque viver é um certo se lançar sem as devidas redes de segurança. Viver é entrega, é arte. Viver não é fingimento ou fantasia. Viver é realidade. Viver é mais que abandonar pretéritos. Viver é um mimo do presente a moldar o futuro. Viver é uma urgência de atitude desmedida.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

INÍCIOS E TÉRMINOS



Por Patrícia Leite



O sol estava meio tímido, naquela manhã de dezembro. Os planos e os afazeres cotidianos agitavam o pensamento. No carro, Vanessa da Mata cantava músicas de Tom Jobim. E quando o ambiente se encheu da melodia e da letra de Caminhos Cruzados, foi impossível não recordar dos diálogos do fim de semana passado fora da cidade.


Era para ser apenas um almoço descontraído para colocar a conversa fiada em dia e devolver uma história emprestada. 

O assunto, certamente, ficaria nas façanhas de pessoas que pretendem viajar o mundo em um barco. Eles faziam parte deste seleto grupo de aventureiros que pretendem morar no mar.

Durante o longo banho, pensou minuciosamente nos afazeres dos próximos 5 anos. Deteve-se por muito tempo sobre este assunto e sobre os porquês dele ter ganhado tanto fôlego no decorrer do último ano. Listou mentalmente os cursos que teria que fazer e decidiu: – Inglês será o primeiro passo necessário a esta viagem. Antes, porém, era preciso traçar e organizar os possíveis percalços e tudo o que estava por vir. Inclusive, como lidar com as questões financeiras da empreitada. 

Ler e estudar, além da poupança que vinham fazendo para comprar a casa flutuante, de fato, eram parte importante do projeto, ponderou.

Uma ligação a despertou dos devaneios e mudaram os planos do almoço. Cerca de três horas depois, entraram de mãos dadas naquela cidadela para fazer uma refeição leve ou comer um petisco. Na pele traziam ainda as notas íntimas e peculiares da paixão. Os olhos não faziam segredos.

Desceram a rua de pedra rindo, empolgados com aquela viagem de última hora e a meia dúzia de planos ensaiados. Poucos minutos depois, entraram em um restaurante aconchegante, com poucas mesas ocupadas, inundado por uma suave e rouca música ao vivo.

Mas por mais ensimesmados que estivessem, por mais envolvidos nos próprios projetos, foi difícil não notar aquela mulher. Não que ela fosse muito bonita ou um tipo exótico. Ao contrário. Era de uma beleza comum, cabelos e olhos escuros, pele clara, estatura mediana. Foi o choro intenso e prolongado que chamou a atenção para ela.

Sobre a mesa de madeira rústica, uma garrafa de cerveja, dois copos pela metade e uma música melancólica de Caetano Veloso fazia pano de fundo para uma história de amor prestes a terminar. O que teria acontecido? Traição, deixou escapar dos lábios um outro casal que observava a cena.

Não faltaram conjecturas sobre as razões de todo aquele choro. Impossível não dar ouvidos aquela conversa cochichada. Ele a traiu e ela ponderava se iria ou não perdoar. Ela o amava e ele jogaria com isso.

– Foi um deslize, um erro, não vai se repetir, afirmou dando uma pausa dramática para aguardar o perdão. Não existem traições únicas, disseram um para o outro o casal de viajantes. Na próxima oportunidade a coisa toda vai se repetir. Todos fingiam que não, mas olhavam e aguardavam o desenrolar dos fatos. No fundo, um pensamento perpassou a cabeça de todos. Era o começo do fim para aquele casal. Aquele amor terminou.

Na mesa em frente, ocorria exatamente o contrário e foi difícil não traçar o paralelo dos contrários. De um lado, o princípio. Do outro, o fim.

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

SOBRE CONCHAS E PÉROLAS

Por Patrícia Leite




O relógio que registrava a contagem regressiva já tinha sido disparado...Tudo começava a ganhar corpo. Projetos e planos reafirmados e confirmadíssimos. Ao abrir a garrafa de vinho tinto, um brinde veio ao pensamento:

Ao nosso lar flutuante, porque em cinco anos o mar será nossa casa.

E ergueram as taças.

-- Tim...Tim...

Uma chuva fina impregnava as narinas com o cheiro de terra molhada. A lenha estalava na lareira e o barulho da chuva casava bem com a voz de fundo de Frank Sinatra.

Enquanto saboreavam o liquido rubro e enebriante, resolveram que abririam juntos a concha que ela trouxera do Caribe e que lado a lado verificariam que pérola estava escondida ali.

Abriram a caixa com cuidado e observaram que no estojo em que vinha a concha havia também um colar prateado e um cesto que serviria como um pendente onde a pérola deveria ser depositada.

O suspense do que estava por vir, até aquele instante, ficava em torno da cor da pérola. Se fosse branca significaria saúde. Se fosse dourada, representaria riqueza. Se fosse negra, sabedoria. Se fosse a creme, representaria a felicidade... Mas se fosse rosa, o amor.

Que cor teria a pérola???

Independentemente da cor que a pérola tivesse, no fundo, ambos sabiam que ali havia um acordo selado. Uma promessa de futuro. Um sonho a realizar. E aquela pérola era apenas uma representação simbólica de tudo isso. Mas foi com surpresa que constaram que a cor era rosa.

Pérola rosa...amor...

Os olhares trocados e o beijo carinhoso dizia tudo. As palavras se tornaram absolutamente desnecessárias. A linguagem, a comunicação dispensou as palavras.

Ambos tinham trilhado caminhos "solitários", apesar de estarem sempre acompanhados. Investiram em sonhos que pareciam loucura, tropeçaram, caíram.

Na bagagem individual traziam de tudo um pouco. Alegrias, tristezas, remorsos, culpas, dessabores, amores, transformações e uma coleção de pedras que removeram do caminho para poder seguir em frente.

Pedras...Caminho...

Neste instante, foi impossível não pensar que a pérola é o resultado de uma defesa das ostras em reação a corpos estranhos que invadem o seu organismo. Impossível não pensar que apenas um grão de areia, por exemplo, pode provocar uma inflamação na ostra e que ela para se proteger recobre o grão com sucessivas camadas de madrepérola. E que ao resultado desta capa de proteção chamamos pérola.

Uma jóia... Um tesouro...

Ela ficou com o colar com um pendente vazio. Ele ficou com a pérola. Cada um com uma parte da joia. Juntar os dois objetos significaria dizer que a hora havia chegado, que nada os demoveu de seu destino durante o caminho.

Um sonho...Este era o nosso tesouro... Era hora de ser feliz...


sábado, 7 de dezembro de 2013

Águas Solventes

Por Patrícia Leite

Meados de junho, cinco da manhã em Brasília. Depois de mais uma noite insone e atormentada por agendas e compromissos a serem cumpridos, resolvi sair da cama e dar uma pedalada. Perdida em pensamentos, deparei-me com uma cena, no mínimo, insólita. Um homem, de mais ou menos 1,80m, cerca de 50 anos, pesando, aproximadamente, 90 quilos, negro, morador de rua, tomava banho, próximo ao balão que divide as quadras 409 e 209 norte. Ele estava sem roupas, mas nua fiquei eu, diante de toda aquela estética desprovida de moral. Não havia nada de sexy na cena, mas havia lirismo.

Em meio às flores do jardim, munido de uma caneca de plástico e uma lata d’água velha e enferrujada, o homem escovava os dentes, lavava o cabelo, fazia barba e cantarolava algo ininteligível. Neste momento, o sol, que ainda dividia espaço com a lua e as luzes da cidade, coloria de avermelhado o céu do cerrado. O cenário parecia uma tela, da primeira fase (1860), de Claude Monet — período em que a figura humana foi tema recorrente do artista. não havia trânsito, o vento frio assobiava um solo triste e uivante. Eu ali parada a observar um ato simples que zombava, de certa maneira, dos meus tormentos interiores.

Depois do banho, ele vestiu-se vagarosamente, atravessou a rua, guardou os pertences por trás da caçamba de lixo, e, se pôs a ver as manchetes do dia, penduradas no arame da banca de jornal. Uma alegria genuína, de quem vive do nada, estava posta naquele (des)compromisso. Um dia após o outro, vive aquele homem. Sem contas para pagar, sem patrão, sem compras a fazer.

Perguntei-me se ele, de fato, sabia ler ou se estava apenas a olhar as imagens do periódico. Pareceu que ele estava a ouvir meus pensamentos, ao, de repente, largar o jornal, olhar para o dono da banca e exclamar:

― O inverno vai ser rigoroso este ano!
O proprietário da banca olhou para o homem, sorriu e respondeu:
― Certamente, não para você, Zé!

Um travo amargo, de vergonha, me despertou do transe em que me encontrava. Refleti durante o percurso de volta para casa, entre uma pedalada e outra, que o Zé estava preparado para o mal tempo. Era forte, sobreviveu, e, conscientemente, sabe disso. Agora, eu...

Algumas pessoas precisam de meias, cachecóis, casacos, padrões, esquemas, rotinas, luxo. Outras precisam, apenas, acordar, a cada dia, e tomar, no centro da urbanidade, um banho no asfalto.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

CÁRCERE

Por Patrícia Leite

Dia desses, estava pensando porque as pessoas se põem tanto tempo a me observar. Eles me olham daquele jeito estranho, cenho franzido, aquela cara de paisagem, sabe? Não sabe o que é cara de paisagem? Cara de paisagem é aquela cara que finge normalidade, olhar no horizonte, meio parte do cenário. Agora que você entendeu, continuemos.

Muitas são as caras e bocas do não entendimento que se voltam para mim. Coisa de gente “limítrofe”. Há os que não conseguem disfarçar o seu estranhamento e ficam com face de interrogação, mas os piores rostos são os que transbordam da expressão coitadinho.

Detesto quando eles me olham com cara de coitadinho. Coitadinho são eles com suas vidas medíocres, cérebros atrofiados e uma infinita incapacidade de se libertar das convenções. É fácil entretê-los enquanto passeio, viajo. Basta girar um prato no assoalho e ficar abanando as mãos. Munidos de caneta e papel e todo um arsenal de cientificismo barato se colocam a pesquisar mecanismos de me demover do que eles chamam de meu mundinho.

Eles não sabem nem o que é mundinho, porque se soubessem perceberiam que mundinho é o deles que tem uma delimitação geográfica e chegam apenas onde à ciência conseguiu enxergar. Eu posso ir e vir em caudas de cometas nos mais diversos passeios intergalácticos, posso retornar a vidas passadas, frequentar o futuro, me transportar, andar no tempo.

Se você estiver pensando que isso não é possível, ou que sou louco, está na hora de dar uma estudada na teoria da relatividade, de Einstein. Procure algo em torno do tema universo paralelo.

Mas como eu ia dizendo, os medíocres estão presos em suas próprias amarras e não satisfeitos perseguem-me, implacavelmente, querendo me encarcerar no que eles chamam de padrões de normalidade, interação social.

Desprezo o que eles convencionaram como normalidade. Não sabem eles de sua própria involução. Um de seus principais demônios interiores é conviver com este desconhecido que represento. Uma enxurrada de perguntas tolas ronda suas cabeças. Perguntas erradas, mal direcionadas. Às vezes tenho vontade de lhes fazer um agrado e carregá-los em uma das minhas muitas viagens. Neste firme propósito deixo que alguns deles me toquem, tolero até que usem minha própria técnica de distração coletiva, permito que alguns girem igualmente um prato no assoalho para abstrair os que não quero levar na viagem.

É muito triste o que acontece durante estas tentativas. Eles ficam olhando, de verdade, para o prato, enquanto abanam as mãozinhas. Por mais que eu envie os códigos psíquicos que possibilitam a viagem eles são incapazes de decifrar. Ficam ali parados, ora me olhando, ora olhando para o prato. Vou e volto do passeio e eles ali olhando para o prato. E o anormal sou eu. Tem horas que tento me nivelar com eles e grito, esperneio, bato, unho. Não bastasse meu esforço para me nivelar por baixo ainda me drogam dizendo que estou nervoso, agitado.
Acordei esta manhã com vontade de revelar a chave de todo este mistério, mas eles não estão preparados. Você está? Antes será necessário você abandonar estes seus maneirismos bizarros. Não estou aqui falando apenas de deixar para trás os rituais de repetição. Estou falando de quebra de paradigmas, sem cerimoniais de passagem. Um pulo, um salto no desconhecido, algo como abrir as portas de seu próprio cárcere.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Prelúdio

Por Patrícia Leite

Um certo alguém muito especial, me fez um alerta: “Cuidado com seus sonhos que eles podem se realizar”. Mal sabe ele que em um sentido "figurado", ele propôs, sem mesmo saber, que o sonho é necessário. Ele precede, anuncia. É uma espécie de prólogo, prefácio, preâmbulo.

Não sei se foi por causa do "alerta" ou não. O fato é que sonhei novamente aquele velho e recorrente sonho de velas ao vento, um emaranhado de assuntos e histórias que se passam em ilhas desertas embebidas em taças de vinho.

Sonhos... esta doce realidade paralela e oportuna que antecipa. Eles são como confissões íntimas escancaradas em livros que não escrevi.

Sonhos... são as minhas histórias que ainda não vivi, mas que são narradas em voz alta para um estrangeiro de mim ouvir.

E este sonho, que sonho com ele sempre, vislumbra detalhes de um cotidiano meu e me leva em visitas singulares a lugares em que jamais estive, mas que conheço tão intimamente. O acaso não existe, penso e repenso.

Neste sonho, moldado no não-concreto do que estar para vir, faço leituras intermináveis de sextante e Satnav, verificações de bússolas e cartas náuticas detalhadas. E escolhas de destinos guiados por mapas e extintos.

E na recorrência deste sonho, em que sonho muito, estico camas no convés, para dormir sob as estrelas, desfaço-me das vestes, para depois nadar em águas mornas e tranquilas, ao amanhecer...

Nestes sonhos passo horas, de pouco ou quase nenhum vento, interrompidas por tempestades, para depois encontrar calmaria. Brisas e ventos leves e breves são acompanhados, sempre que possível, de fotografias tiradas ao pôr do sol, quase sempre em alto-mar.

Com algumas variáveis, antes do despertar, levanto âncora, grito da proa para um marinheiro sem rosto: – Pode soltar o cabo, por favor? Do cais um ou outro aceno, o tempo de remover as defensas. Em seguida, vejo as grandes velas brancas e silhuetas no convés -- promovidas pela contraluz, desaparecerem rapidamente no horizonte. Eu enxergando ao longe minhas chegadas e partidas.

Levantei pensando nos sonhos que tenho. Pensei inclusive, para não dizer principalmente, em suas representações simbólicas. Mas como minha vida tem trilha sonora também pensei em músicas que falem de sonhos e de seus desdobramentos. Veio-me na mente intérpretes como Martinho da Vila e seu Sonho de um Sonho... Banda Onze: 20, com seu Não devo nada... Raul Seixas, em Prelúdio, para ficar apenas em alguns exemplos.

Detive-me um pouco mais sobre a velha música de Raul Seixas porque ela afirma que “sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só. Mas que sonho que se sonha junto é realidade”.

Prelúdio... Detive-me ainda mais um pouco no título, mais que o habitual, e pensei: é um gênero musical de obras introdutórias de outras obras maiores. Uma espécie de abre. De repente, revirei as gavetas da memória, visitei o passado e me lembrei que os Alaudistas, na época medieval, tocavam o prelúdio como forma de aquecer, e preparar a tonalidade.

Mas se o sonho é um prelúdio, um exercício preliminar, é também, o som, o ritmo, o tom do primeiro passo para um certo desfecho. Sonhar seria então a largada para transformar um anúncio do que se quer em realidade?

Sonhos... Sonhos realizáveis, sonhos calculados e sonhos impossíveis, somei mentalmente.

Enxerguei resultados em equações simples de sonhos que se sonha sempre e apesar de ter sido alertada de que era necessário ter cuidado com os sonhos porque eles podem se tornar realidade, não tive temor, receio, medo... Tive vontade de sonhar ainda mais. E decidi. Icei as velas e aproei o máximo este meu barco imaginário para a alfândega do real. Porque o sonho é primeiro um improviso, uma espécie de teste drive, uma introdução, um ensaio de realidade.

O sonho aponta a rota, descobri em poucos segundos, num turbilhão de emoções dessincronizadas, que os sonhos são desejos especiais do inconcreto. A argamassa que vai dar liga a construção da realidade. O ponto de partida.

Sonhar junto é sim realidade. Porque sonhos, é este algo especial do porvir. Tão especial quanto com quem os compartilhamos. Tão especial ao ponto de não podermos colocar em palavras. E por ser assim, é melhor guardar o momento na caixinha da saudade. Um dia, quem sabe, um cheiro, um toque, um sabor, um olhar e a energia invisível do universo destranque a caixa e nos brinde novamente...

Recordar...Reviver... Tornar o sonho real.




[DES] CONSTRUÇÃO

Por Patrícia Leite

Subiu as escadas sem pressa, parou para ganhar folego, olhou para as chaves entre as mãos e imaginou o que encontraria do outro lado da porta. A tranca emperrou na segunda volta. Sim, a fechadura precisaria de algo para fazê-la deslizar melhor, pensou enquanto virava a chave.

Um ar abafado envolvia todo o ambiente e o cheiro de mofo impregnava as narinas sem nenhum constrangimento. Tudo a sua volta conferia um ar de desordem, desleixo, desconstrução e morte.

Paredes descascadas, tacos soltos, vidros quebrados, armários ruídos…tudo em pedaços. Súbito, sentiu uma fraqueza. Aquele lugar parecia-se demais com a sua própria vida. Símbolo grotesco de um lar doente e definhante.

Pensou em sair correndo sem olhar pra trás, mas viver é muito mais que estar no mundo. Viver é não desistir de diariamente (re)edificar. Muita coisa precisava ser feita e seria. Varou a noite em claro, organizou os pensamentos, tomou decisões. Uma equipe inteira foi contratada no dia seguinte. Tudo deveria ser posto a baixo.

Sim, nada poderia ser recuperado…Mas aquele ‘lugar’ tinha um bom alicerce, refletiu, e isso deveria e seria aproveitado. E foi com muita determinação que marretou a parede até vê-la começar a ruir e finalmente cair. Desconstruir para construir. Esta era a única alternativa para lidar com os próprios escombros.

Não teve dúvidas. Atirou-se sem rede de proteção no maior projeto de sua vida. Antes, foi preciso juntar cacos. Mas rapidamente aprendeu muito sobre arquitetura, aproveitamento de espaços, material de alta e baixa qualidade, ferragens, móveis funcionais…

Da argamassa ao rejunte, aprendeu que a etapa desconstrutiva pode e, é rápida. Mas o processo de (re) construção é lento. Cada detalhe deve ser pensado, nenhuma etapa pode ser pulada. Acabamento, sim, confere beleza, plástica e riqueza de detalhes. Sai o velho e entra o novo. A roda da vida em movimento. Paredes mudam de lugar, portas são alargadas, o vento morno de verão a conferir um certo aconchego, tudo parece perfeito, mas é a iluminação que dá o toque final e que pede passagem exibir esplendorosa a sua própria natureza de ser.

Sim, ela levantou bases sobre grandes pedras, pintou paredes de branco para clarear ainda mais o que estava por vir. A vida pulsava nos detalhes rubros e os espelhos mostravam sua nova imagem. Girou em torno de si mesma e sorriu. Não havia mais escuridão, cores tristes, mofo, cacos, sujeira…

Confabulou longamente com a própria edificação. Passou suave e silenciosamente as mãos sobre cada recanto que fez surgir… Pensou nas vidas que circulariam ali e se deu conta que, ao contrário do que pensava, ser feliz não é uma vocação. É um desejo. E, de olhos fechados, desejou forte e longamente que a felicidade lhe invadisse. Permitiu que o sentimento apalpa-se cada milímetro de sua alma e entregou-se longamente a ideia de ser feliz. Simples assim.

domingo, 1 de dezembro de 2013

AMOR EM DETALHES

Por Patrícia Leite

Alguém me perguntou se era possível ensinar o que é o amor.

Pensei...Pensei...Pensei...

Mas se os grandes interpretes não tiveram tamanha pretensão, porque eu me arrojaria.
E foi didaticamente que comecei a tecer os fios desta questão. Dois pontos [:] Um prenúncio.

Cartesianamente, enumerei um passo-a-passo.

Para ensinar-me sobre o amor...Ele teria que olhar-me com a complexidade da astúcia e começar a desatar os nós do sentimento.

Conversar como um índio velho que acumulou na pele, nas têmporas e no suor os segredos da natureza.

Como águia... Deveria ele mergulhar no meu olhar em busca de reservados segredos.

Ora como brisa breve, ora como ventania, despiria meus pudores. Mas seria com o calor intenso de um raio de sol que eu o deixaria deslizar ardente pelos meus lábios, rosto e pescoço até chegar aos pés.

Assim, me roubaria ele a inocência. Deveria, ele, ainda e contudo, provocar-me palpitações, fazer minha arquitetura tremer e ruir.

Ao segurar minhas mãos, meu sangue deveria fazer voltas cada vez mais rápidas, e uma catarse deveria ocorrer. Desta forma, todos os dramas desapareceriam.

Mas tudo isso seria apenas sexo. O amor seria então apenas um orgasmo? Algo com muitas preliminares e curta duração? 

Não, o amor é algo não mensurável e que transcende o que entendemos por universo, por espaço e por tempo. O amor é, portanto, algo indescritível. É algo que se sente e se transmite e ponto.

Voos

 -- Por Patrícia Leite [26/10/2013]

Às vezes, voos solitários podem refletir o outro que nos habita. São como sombras de nossas sobras a riscar outras peles, a desenhar nas águas e a planar em nossas ideias 

sábado, 30 de novembro de 2013

TEMPO DE AMOR

Por Patrícia Leite [poesias]

O tempo do  amor que fere é tempo que se arrasta... Porque a dor do tempo do amor que fere é lastro, é peso, é  arremedo de encalço. 

O tempo do  amor que fere é luz de alcance que se afasta, é compasso de quem espera assombro de morto. É escuro. É frio. É solitário.

O tempo do  amor que fere é fantasma de sentimentos, lembranças do que não foi, saudades de outra era. O tempo do  amor que fere é amor que nunca foi.

 Porque amor que é amor não pesa, não dói, não afasta, não arrasta, não conta tempo e nem espera. Amor não é prisioneiro do tempo. Amor nem é lento, nem tem pressa. 

Amor não é tempo parado, nem tempo brando, tampouco calmo. O tempo do amor tem contagem diferente...O tempo do amor... é o tempo que ele arde. É o tempo que ele dura. 

Gargalhadas [poesia]

Saltando entre os pontos, entre um e outro conto, engasgando de tanto rir...eu...simples assim...choro de rir...rolo...soluço...perco o fôlego e me recupero para ter uma nova crise de rir...

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

#DESNUDA & DESCALÇA


Por Patrícia Leite 

VONTADE de levantar da cadeira, colocar uma mochila nas costas e colocar o pé na estrada ao som de Eddie Vedder. Por quê? Porque há horas em que todos os espaços são pequenos, estreitos, fétidos e sufocantes.

Porque tenho vontade de SUBVERTER... De dormir sob as estrelas, de nadar em rios turbulentos –
super bem-vestida de nada, coberta apenas pelos meus próprios pelos.

Alguns dirão que isso é o sangue índio gritando por liberdade. Mas há tantos PORQUÊS...

Porque quero saltar de cachoeiras, velejar no mar, subir montanhas, descer penhascos, almoçar em cavernas, nadar com golfinhos, chorar PRETÉRITOS e seguir em frente.

Conceitos, preconceitos, conduta, ética, moral, hábito, regras, leis...ORDEM.

Ordem de quem, minha gente? Estabelecida por quem, minha gente? Nasci de um parto normal, de uma mulher normal, em um lugar normal, em uma cidade normal. Encarnei desnuda e descalça. SOZINHA.

Plantei árvores, tive filhos, escrevi um livro. Justifiquei, segundo dizem, a minha EXISTÊNCIA. Mas nunca nadei no mesmo rio, porque o rio corre e se transforma a todo momento. Nunca andei na mesma estrada, porque até as pedras se movem e modificam seu lugar de origem.

Nunca estive com os mesmos amigos... Porque pelas mesmas razões que as minhas e por tantas outras eles também se [re] inventam e se tornam outros a todo momento. Porque quando encontro os “velhos” amigos, faço amigos novos, e faço isso todos os dias, há meio século, ou seria um século, ou alguns milênios?? Não sei. Todos os dias, sou alguém novo. Mas sou um alguém que aprendeu a rir dos arranhões, das CICATRIZES, dos desastres.

E quando eu voltar desta grande mochilada que iniciei esta manhã, quero sair VESTIDA apenas de minhas próprias histórias, calçada com as experiências das derrapadas que dei. Mas também quero sair da pista...Desta vez, mais consciente, mais em alta velocidade, rumo ao desconhecido...Quero trombar com a experiência daquele outro que não me habita e me renovar.

Porque descobri, a um certo tempo, que para ser feliz é preciso estar VULNERÁVEL ao que tiver que vir. Não dá para “viver a vida” sem adentrar a dura selva de pedra em que transformaram nossos corações desapontados, traídos, enganados... Não dá para “viver a vida” ressabiada, recolhida, enclausurada, ensimesmada como cadela mordida de cobra que não pode ver linguiça que corre com medo.

PORQUE Sociedade realmente louca espero que não esteja solitária sem mim” durante a minha ausência nesta engrenagem do acaso e do caos.





TEMPORALIDADE

por Patrícia Leite

Carregava no pescoço um relógio que, conforme a candência dos quadris, pendulava mais lento ou mais rápido. Esse balançar dava-lhe a falsa sensação de controlar o tempo. Mas esse continuava implacável na contagem regressiva e tiquetaqueava o "semitom" de seu próprio definhamento biológico.

O tempo não é justo. Em detrimento da vontade e da ciência, o tempo não é regular. O tempo é relativo. É lento durante as tormentas e ligeiro, muito ligeiro quando se trata dos momentos que queremos perpetuar.

O tempo, quando é intempérie, é inimigo discreto e exaspera a alma em compassos de pulsos e repousos dramáticos. O tempo eviscera os mais fracos e ostenta os nossos diabos interiores. No contratempo do tempo estão os anjos que esperamos que um dia nos salvem. Mas tudo isso somente no tempo que o tempo quiser.

Sem tempo para o tempo preguiçoso e na ânsia de tudo sorver, há dias em que queimo as passarelas de contato. Em outros, quando me esqueço do quanto o tempo é desonesto e sorrateiro, construo pontes sólidas por cima de rios caudalosos e passeio sem me lembrar da pressa do tempo.

Mas, diariamente, entre um tic-tac e outro, renovo sonhos, busco novas estradas, corro o mundo. Algumas vezes só. Em outras, bem ou mal-acompanhada. O importante, porém, é o movimento. É. construir, desconstruir, começar de novo e driblar o tempo que o tempo pensa que me resta. Porque no fim das contas, quando o tempo atinge o apogeu da própria finitude o importante é o percurso, a trajetória, a linha descrita por um ponto material. O eu em movimento.

Importante é constatar que usamos o tempo bem. Fizemos pausas para enxergar o outro, paramos para um abraço amigo e para dar um beijo. O importante é concluir que estagnamos o tempo todas ás vezes em que o dedicamos ao amor.


quinta-feira, 28 de novembro de 2013

INTIMAÇÃO

[série contos]
Por Patrícia Leite – 28/11/2013

Ele entrou na sala de reportagem como quem está fugindo da polícia. Ou como se fosse um policial correndo atrás de um bandido. No caso, uma bandida.

– Onde ela está? Berrou, com o rosto transtornado.
– Ela quem? Respondeu um coro de vozes estupefatos.
– Ela quem? Ele devolveu a pergunta.

De fato, todos sabiam.

– Não veio hoje, disse um dos cinegrafistas!
– Mentira, grunhiu ele!!

E era...Não adiantava tentar acobertar.

Aqueles saltos quinze no porcelanato tinham um som inconfundível e todos sabiam. Até poderia ser uma outra mulher apressada para o trabalho, alguns ponderaram isso mentalmente, caso o compasso urgente deste caminhar não tivesse trazido consigo e derramado no ar aquele perfume marcante.

Não era só a métrica provocada pelos saltos dela que denunciavam sua estada em um lugar. O que a delatava era um conjunto de sons, cheiros, sabores e movimentos muito peculiares.

Ninguém podia culpar aquele homem pelo estado de loucura em que se encontrava. Seria um grande baque para ele ser rejeitado por ela.

Acaso...Destino...Quem sabe?

O fato é que ele nunca entendeu porque ele sempre foi o oficial de justiça escalado para intimá-la às audiências de uma separação extremamente conturbada e que colocava fim a um casamento de duas décadas.

Certa vez, em uma das muitas ocasiões em que veio intimá-la, ao longe e apesar da aparente discrição, foi possível ouvi-lo confessar:

– Rezo todos os dias para que este litígio demore. Assim, posso vê-la muitas vezes.

Aquele comportamento era absolutamente inadequado para um oficial de justiça. Por mais que ele tentasse ser discreto, ele não era exatamente o tipo de homem que pudesse passar despercebido. Branco, mais ou menos uns 90 quilos, um metro e noventa de altura, olhos azuis. Poderia ter a mulher que quisesse. Mas ele a quis. Aquela mulher que não queria pertencer a mais ninguém.

Ele não deu ouvidos aos gritos da sua intuição e aquele encantamento inicial virou paixão e, depois, doença, obsessão. Na vida daquela mulher de sorriso largo e olhos tristes, como ele tantas vezes mencionou, apesar de seduzi-lo, não abriria espaço para ninguém chegar.

Era comum ouvi-la dizer:

Estou que nem cachorro mordido de cobra, corro de uma simples linguiça para evitar um outro ataque. Outras vezes, falava sorrindo:

– Gato escaldado tem medo de água fria. Tô bem como estou. Consigo ser feliz assim. Sou uma ótima companhia para mim mesma. E soltava uma longa e sonora gargalhada para depois completar: – Aquela que se acha.

Mas ela deveria ser mesmo uma boa companhia para si mesma. Sempre foi muito bom estar ao seu lado. Nos períodos de férias, todos reclamavam sua ausência. E o seu retorno era recheado de histórias interessantes, de escaladas, mergulhos em alto-mar, passeios de barco, expedições em caverna, trilhas com centenas e centenas de quilômetros...

Tudo naquela mulher tinha um pulso vital que nos contagiava. Amava cozinhar e receber amigos. Os mais próximos diziam que seu hálito tinha um cheiro exótico de gengibre e canela. Contraste muito interessante, diga-se de passagem, com aqueles lisos cabelos negros e a pele sempre morena. Para dizer o mínimo, era mulher que não passava incólume.

Enquanto todos absorviam a cena e ouviam a vociferação do oficial, ela entrou na sala, olhou a todos e sentenciou:

Houve um tempo em que dei um boi para não participar de um barraco e quando entrava dava uma boiada pra não sair, sorriu com sarcasmo, depois, virou-se por cima dos saltos, olhou sobre os ombros e disse: acalme-se homem. Não preciso de testemunhas, a não ser as que serão absolutamente necessárias. Pare de estardalhaço. Não foi você mesmo que disse que não era um pedido de amor? Que se tratava de uma intimação? Vim só pegar uma caneta.

As mulheres suspiraram de alívio – enfim ela foi fisgada, saiu da pista. Os homens deixaram escapar um certo gemido que em um primeiro momento parecia ser de dor. No fundo, todos se sentiram meio viúvos, meio divorciados. Afinal, ela rasgou qualquer possibilidade, qualquer esperança. Estava amando novamente.