Por Patrícia Leite
A violência atravessou a vida daquele
ser com tanta ferocidade que era impossível não pensar como pôde
sobreviver.
Os pais se separaram cedo e logo se
casaram com outras pessoas, antes mesmo que ela pudesse completar
três anos. A infância lhe foi roubada e prematuramente as bonecas
foram deixadas de lado.
Todos os dias, aquela criança brincava
de luta com irmão. Perdia sempre, porque parecia um “espirro” de
tão mirradinha que era. Mas no outro dia estava lá...Brincando de
luta novamente. O judô era a técnica usada e o golpe mais treinado
era, não por acaso, o mata leão.
A dislexia acentuada não a impediu de
graduar com louvor. E já adulta o desempenho profissional orgulhava
a todos. Começou a trabalhar cedo, não porque tivesse necessidade
financeira, mas porque necessitava ser livre dos excessos de ameaças,
opressão, medo, insegurança, abusos.
Lutar...Lutar...Como lutar? Perguntas
que lhe roubavam o sono todas as noites ou a assombrava em pesadelos
de derrotas. Quem deveria protegê-la e amá-la sentenciou-a ao
sofrimento diário, a angústia permanente e por fim a solidão dos
reclusos em si mesmo.
Aprendeu a sorrir em público, mesmo
com a alma rasgada. Empenhou-se mais que qualquer outra criança para
obter sucesso nos estudos. Sim, foi vítima. Foi um “brinquedo”
manuseado pelo mal. Mas trazia no espírito a certeza que o mal não
triunfaria.
Seus amigos, a mãe, o irmão e sua fé
eram seus pilares emocionais. A liberdade parecia ser um “regalo”
intangível. Pediu muitas vezes este presente de Natal. Mas, ano após
ano, Papai Noel trazia tudo: brinquedos, roupas, sapatos, viagens.
Mas sua liberdade não trazia.
Parou de esperar. Já não acreditava
mesmo, há muitos anos, em Papai Noel. Ela se daria este presente e
se deu. Deu e compartilhou com o mundo. E ensinou ao mundo que não
esperasse e corresse atrás.
Ela se sentia mais segura na rua. E
isso não estava certo. Era uma prisioneira do medo. Mas deixou de
ser no momento em que decidiu romper o silêncio e denunciar ao mundo
o que acontecia. Encontrou a liberdade, finalmente. Se deu esse
presente.
Muitos ficaram surpresos. Muitos não
podiam crer que algo tão ruim pudesse estar tão dentro de casa.
Crescemos ouvindo que os perigos estão na rua. Que a casa é o nosso
lugar de conforto e segurança. Mas ela não é uma história
isolada. Ela é parte de uma estatística assustadora. Mas ela não
quer ser apenas um número e nem eu posso permitir que ela o seja.
Pessoas não são números, principalmente números que nos
envergonhem.
Neste finalzinho de ano, em nome desta
criança, que prefere ser lembrada pelas inúmeras vezes que se
levantou de suas quedas e de seus sofrimentos e em nome de todas as
crianças do mundo, eu peço de presente de Natal atrasado, muito
atrasado, a papai do céu, que nenhuma criança mais tenha sua
infância roubada.
Aos homens e mulheres de bem, que fazem
ou não parte do meu círculo de amigos, vou aproveitar e dar uma de
pidona. Por favor, presenteiem todas as crianças do mundo, sejam
vocês ricos ou pobres. Sejam 365 dias do ano o papai ou a mamãe
Noel destas crianças.
* O abuso sexual infantil é crime.
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