segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Prelúdio

Por Patrícia Leite

Um certo alguém muito especial, me fez um alerta: “Cuidado com seus sonhos que eles podem se realizar”. Mal sabe ele que em um sentido "figurado", ele propôs, sem mesmo saber, que o sonho é necessário. Ele precede, anuncia. É uma espécie de prólogo, prefácio, preâmbulo.

Não sei se foi por causa do "alerta" ou não. O fato é que sonhei novamente aquele velho e recorrente sonho de velas ao vento, um emaranhado de assuntos e histórias que se passam em ilhas desertas embebidas em taças de vinho.

Sonhos... esta doce realidade paralela e oportuna que antecipa. Eles são como confissões íntimas escancaradas em livros que não escrevi.

Sonhos... são as minhas histórias que ainda não vivi, mas que são narradas em voz alta para um estrangeiro de mim ouvir.

E este sonho, que sonho com ele sempre, vislumbra detalhes de um cotidiano meu e me leva em visitas singulares a lugares em que jamais estive, mas que conheço tão intimamente. O acaso não existe, penso e repenso.

Neste sonho, moldado no não-concreto do que estar para vir, faço leituras intermináveis de sextante e Satnav, verificações de bússolas e cartas náuticas detalhadas. E escolhas de destinos guiados por mapas e extintos.

E na recorrência deste sonho, em que sonho muito, estico camas no convés, para dormir sob as estrelas, desfaço-me das vestes, para depois nadar em águas mornas e tranquilas, ao amanhecer...

Nestes sonhos passo horas, de pouco ou quase nenhum vento, interrompidas por tempestades, para depois encontrar calmaria. Brisas e ventos leves e breves são acompanhados, sempre que possível, de fotografias tiradas ao pôr do sol, quase sempre em alto-mar.

Com algumas variáveis, antes do despertar, levanto âncora, grito da proa para um marinheiro sem rosto: – Pode soltar o cabo, por favor? Do cais um ou outro aceno, o tempo de remover as defensas. Em seguida, vejo as grandes velas brancas e silhuetas no convés -- promovidas pela contraluz, desaparecerem rapidamente no horizonte. Eu enxergando ao longe minhas chegadas e partidas.

Levantei pensando nos sonhos que tenho. Pensei inclusive, para não dizer principalmente, em suas representações simbólicas. Mas como minha vida tem trilha sonora também pensei em músicas que falem de sonhos e de seus desdobramentos. Veio-me na mente intérpretes como Martinho da Vila e seu Sonho de um Sonho... Banda Onze: 20, com seu Não devo nada... Raul Seixas, em Prelúdio, para ficar apenas em alguns exemplos.

Detive-me um pouco mais sobre a velha música de Raul Seixas porque ela afirma que “sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só. Mas que sonho que se sonha junto é realidade”.

Prelúdio... Detive-me ainda mais um pouco no título, mais que o habitual, e pensei: é um gênero musical de obras introdutórias de outras obras maiores. Uma espécie de abre. De repente, revirei as gavetas da memória, visitei o passado e me lembrei que os Alaudistas, na época medieval, tocavam o prelúdio como forma de aquecer, e preparar a tonalidade.

Mas se o sonho é um prelúdio, um exercício preliminar, é também, o som, o ritmo, o tom do primeiro passo para um certo desfecho. Sonhar seria então a largada para transformar um anúncio do que se quer em realidade?

Sonhos... Sonhos realizáveis, sonhos calculados e sonhos impossíveis, somei mentalmente.

Enxerguei resultados em equações simples de sonhos que se sonha sempre e apesar de ter sido alertada de que era necessário ter cuidado com os sonhos porque eles podem se tornar realidade, não tive temor, receio, medo... Tive vontade de sonhar ainda mais. E decidi. Icei as velas e aproei o máximo este meu barco imaginário para a alfândega do real. Porque o sonho é primeiro um improviso, uma espécie de teste drive, uma introdução, um ensaio de realidade.

O sonho aponta a rota, descobri em poucos segundos, num turbilhão de emoções dessincronizadas, que os sonhos são desejos especiais do inconcreto. A argamassa que vai dar liga a construção da realidade. O ponto de partida.

Sonhar junto é sim realidade. Porque sonhos, é este algo especial do porvir. Tão especial quanto com quem os compartilhamos. Tão especial ao ponto de não podermos colocar em palavras. E por ser assim, é melhor guardar o momento na caixinha da saudade. Um dia, quem sabe, um cheiro, um toque, um sabor, um olhar e a energia invisível do universo destranque a caixa e nos brinde novamente...

Recordar...Reviver... Tornar o sonho real.




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