segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

[DES] CONSTRUÇÃO

Por Patrícia Leite

Subiu as escadas sem pressa, parou para ganhar folego, olhou para as chaves entre as mãos e imaginou o que encontraria do outro lado da porta. A tranca emperrou na segunda volta. Sim, a fechadura precisaria de algo para fazê-la deslizar melhor, pensou enquanto virava a chave.

Um ar abafado envolvia todo o ambiente e o cheiro de mofo impregnava as narinas sem nenhum constrangimento. Tudo a sua volta conferia um ar de desordem, desleixo, desconstrução e morte.

Paredes descascadas, tacos soltos, vidros quebrados, armários ruídos…tudo em pedaços. Súbito, sentiu uma fraqueza. Aquele lugar parecia-se demais com a sua própria vida. Símbolo grotesco de um lar doente e definhante.

Pensou em sair correndo sem olhar pra trás, mas viver é muito mais que estar no mundo. Viver é não desistir de diariamente (re)edificar. Muita coisa precisava ser feita e seria. Varou a noite em claro, organizou os pensamentos, tomou decisões. Uma equipe inteira foi contratada no dia seguinte. Tudo deveria ser posto a baixo.

Sim, nada poderia ser recuperado…Mas aquele ‘lugar’ tinha um bom alicerce, refletiu, e isso deveria e seria aproveitado. E foi com muita determinação que marretou a parede até vê-la começar a ruir e finalmente cair. Desconstruir para construir. Esta era a única alternativa para lidar com os próprios escombros.

Não teve dúvidas. Atirou-se sem rede de proteção no maior projeto de sua vida. Antes, foi preciso juntar cacos. Mas rapidamente aprendeu muito sobre arquitetura, aproveitamento de espaços, material de alta e baixa qualidade, ferragens, móveis funcionais…

Da argamassa ao rejunte, aprendeu que a etapa desconstrutiva pode e, é rápida. Mas o processo de (re) construção é lento. Cada detalhe deve ser pensado, nenhuma etapa pode ser pulada. Acabamento, sim, confere beleza, plástica e riqueza de detalhes. Sai o velho e entra o novo. A roda da vida em movimento. Paredes mudam de lugar, portas são alargadas, o vento morno de verão a conferir um certo aconchego, tudo parece perfeito, mas é a iluminação que dá o toque final e que pede passagem exibir esplendorosa a sua própria natureza de ser.

Sim, ela levantou bases sobre grandes pedras, pintou paredes de branco para clarear ainda mais o que estava por vir. A vida pulsava nos detalhes rubros e os espelhos mostravam sua nova imagem. Girou em torno de si mesma e sorriu. Não havia mais escuridão, cores tristes, mofo, cacos, sujeira…

Confabulou longamente com a própria edificação. Passou suave e silenciosamente as mãos sobre cada recanto que fez surgir… Pensou nas vidas que circulariam ali e se deu conta que, ao contrário do que pensava, ser feliz não é uma vocação. É um desejo. E, de olhos fechados, desejou forte e longamente que a felicidade lhe invadisse. Permitiu que o sentimento apalpa-se cada milímetro de sua alma e entregou-se longamente a ideia de ser feliz. Simples assim.

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