quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

"Autoestimada"

Por Patrícia Leite

foto: Priscila Leite


O vernissage estava sendo um sucesso para o artista e para os paqueradores profissionais de plantão. E Ela não entendia o porquê.

Todos bailavam suas efêmeras relações no amplo salão. Mas o que menos importava e o que menos era apreciado eram as peças expostas.

Os convidados exibiam e arrazoavam comentários elogiosos. Gentileza impregnada de champagne e falseado conhecimento do que é arte contemporânea. Mal sabem o que é arte, diga-se de passagem...Mas o ar e a entonação eram absolutamente convincentes.

O coquetel servido foi capaz de agradar os paladares mais exigentes. Certamente, para amansar a severidade da crítica diante de tamanha mediocridade artística. Mas Ele era um bem-nascido. Não sofria de mal de CEP (Código de Endereçamento Postal).

E, no fundo, sabia que o seu berço não permitiria que Ele não fosse amplamente badalado no caderno de cultura e nas colunas sociais. O sobrenome garantiria o estrondo positivo na mídia.

Críticos, jornalistas e a nata da sociedade brasiliense foram convidados a participar daquela exibição em separado e teciam e arrazoam avaliações sobre as obras expostas. 
Súbito, Ela sentiu-se incomodada com sua postura demasiadamente flâneur e pensou:

Baudelaire ficaria estarrecido se me flagrasse andando naquelas exposições, naquela cidade cinzenta, saltando entre as galerias da capital, a fim de experimentá-la sem seu marcante traço azul.

Cinza, esta era a cor do momento. No Céu, nas obras e na sua alma sensível, refletiu.

Mas o fato é que estava mesmo a flanar pelo foyer supostamente cultural e definitivamente pobre e desnudo de qualquer traço de qualidade técnica e inovadora. Ainda assim, passou desinteressadamente entre os convidados, fotógrafos e garçons, olhando quadros e vendo apenas pessoas emolduradas em suas ridículas carcaças sociais.

Muitos que ali estavam reservavam aqueles quadros e esculturas como reservavam todas as outras coisas desnecessárias em suas vidinhas. Coisas e compras que podiam ficar eternamente adiadas. Mas que eles consideravam “imprescindíveis” para serem aceitos. Nunca seriam.

Perambulou com sofisticada inteligência entre os emergentes a comprar as “imprescindíveis” obras, sorveu mais uma taça de champagne, se recostou no piano de calda, de onde um jazz bem tocado trazia uma nota verdadeira de arte ao local, e conclui com seus próprios botões: 

Estou aqui a me debruçar em uma frase para a abertura do texto, algo honesto e sincero e só consigo me concentrar em um átimo de pensamento que me morde há tempos.

Notou que o artista parara de propósito a seu lado. Virou-se em cima dos próprios calcanhares quando todos os flashes se voltaram para Ela e disse a si mesma:

Agora, sei por onde começar o texto da coluna desta semana.

E olhando por cima dos ombros, antes de sair lentamente para o frescor do dia, sem pronunciar palavra, escreveu em pensamento:

Sociedade efêmera e solitária, encare a minha ausência e não me necessite nesta sua engrenagem do acaso, do descaso e do caos da qual não sou peça, nem parte.