quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

VENTOS GALVANIZADOS

Por Patrícia Leite
[11 de Fevereiro]





















Olhou adiante e seu suspiro foi tão intenso e profundo que aquela lufada de vento, que saiu de suas narinas chorosas e impregnadas de lágrimas, foi capaz de mudar o silêncio do mundo.

Estava decidido […] Ofegou!!!

A ideia surgiu há tempos... Não sei precisar quanto. Acho que foi logo que me desatei. Cortei os cabos, levantei minhas âncoras existenciais e decidi partir.

Fui aprender a velejar – ventilar sentimentos –, e entendi que havia apoitado mais tempo do que deveria em uma área inóspita, em um coração árido, onde nada brotava.

Sim, unhei e mantive o ferro cravado em um ser por muito mais tempo do que devia. Mas o tempo é relativo. Portanto, minha idade também, ponderei com meus botões.

Esta manhã, acordei com 17 anos e cheia de sonhos irresponsáveis. Pode ser que amanhã eu me levante com a sabedoria de uma anciã de 90, mas que ainda acredita que a vida é um eterno se reinventar.

O fato é que quero ser de todos os lugares e de lugar nenhum. Ter muitas idades, vários valores, diversos amores... E não estar presa a nenhum. Meus laços...

Meus laços estão por aí...Meus nós carrego comigo.

Quero entender o que me move e quero mover-me para me entender. Quero pertencer a múltiplas culturas e não ser parte permanente de nenhuma delas. Quero ser totalidade.

Quero me aninhar, me animar e dar movimento a uma espécie de vida que ainda estou inventando, costurando a todo vapor. Uma vida que pulsa e ecoa sons, por vezes contidos, de autoconstrução.

Acordei, hoje, consciente de que não sou mais quem fui e não sou nada diferente do que estar por vir. Mas...

Sou mutação, renovação, reinvenção. E apesar de saber muito pouco de mim... Sei que agora vou me ocupar com coisas da alma. Viver sem agendas, tomar decisões cada vez mais passionais e governadas pelas nações dos muitos sentimentos que me habitam.

Mas o fato é como posso iniciar um investimento nas coisas da alma? Talvez paixão seja a resposta.

“Reinventar”. Sempre é possível se reinventar. O velho Sigmund, há um século, já dizia que somos movidos pela paixão, mas que ainda assim relutamos e negamos nossos pulsos naturais. Meu pulso natural...

E assim ando – em meio a uma enorme profusão de sentimentos –, começando a me sentir, digamos, contentinha... Porque feliz é uma palavra complicada.

Descobri que há uma certa relação entre nossa alma, o como estamos por dentro e o ambiente em que vivemos. Descobri que encerrar histórias nos concede a chance de (des)(re)construir.

Por esta razão, resolvi trocar todo o meu sistema operacional. E embora o hardware esteja meio castigado, está suportando o novo software muito bem.

Estou apaixonada por mim mesma. E isso é ótimo, porque estar apaixonada significa estar pronta para a chegada do novo.

Ser feliz não é uma vocação, e eu digo isso há anos. É um desejo!!!

Sou um tanto quanto lacaniana. Por quê digo isso? Porque a clínica de Lacan é a clínica do desejo e é justamente por acreditar que o desejo nos move que estou fazendo uma visitação minuciosa nesta área do não saber o que fazer. Apenas desejando fazer. E dizendo o que me vai na alma.

Amo as palavras e juntar palavras e lhes conferir um novo significado me fazem bem. Vou segredar-lhe:

Sou um pedaço, sou parte de uma gente que teve mil coisas, que teve todo bem e todo o mal do mundo em um único momento... Ganhos e perdas significativas que me ensinaram, por exemplo, que ser homem, ser macho é poder chorar que nem moça adolescente, se emocionar à toa, se permitir.

Aprendi a admirar homens que revelam ser  chorões de carteirinha e que apesar de terem nascido em um berço machista e terem passado a vida a rezar na cartilha do macho alfa...Não querem mais repetir padrões. São homens de verdade. Homens que já abandonaram esse negócio de pensar que se emocionar é coisa de mulherzinha.

“Não se entregar faz parte do passado”, disse-me um grande amigo.

– Quero rasgar o coração e resgatar essa enorme mulherzinha que tenho dentro de mim. Resgatar ela das masmorras. Porque, como bem diz Pepeu Gomes, ser um homem feminino não fere meu lado masculino. Para além disso, quanto mais resgato meu lado feminino mais me encanto com as mulheres... E mais elas se encantam de mim, acrescentou timidamente.

Eu, na contramão, que deixei meu lado masculino bicho solto... Quero abafar em mim o masculino que ainda me resta, porque não quero mais ser o símbolo da fortaleza, do poder.

Descobri que ser mulherzinha, aprimorar o meu lado feminino, me toma grande, gigante, enorme.

Gosto desta nova mulher para a qual tenho me dedicado a construir...Menos independente, menos poderosa. Esta mulher que nasce agora me globaliza.

Digo-me sempre:

– Bela ela, bela esta mulher de agora. Esta mulher que uniu os pontos invisíveis do que foi, do que é, do que fizeram dela e do que ela ainda está por ser e fazer.

PRIMA VOLTA – primeira vez... Dizem que a agente nunca mais esquece. E ando com muitas vontades de "primeira vez". Muitas...

Vontades de dar largueza, vazão, fruição a tudo que sinto. Imagine alguém que diz não ter nada para oferecer a não ser a si mesmo... Sensacional!!Esta sou eu agora.

Estou apaixonada pela mulher em que me transformei. Forte para as lutas diárias. Mas ainda assim romântica, amorosa. E tudo isso é resultado, fruto do exercício de dar vazão. Continuo cheia de defeitos e medos. Mas me arrisco mais...Me jogo em abismos, sem redes de proteção. Dou risada dos meus tombos. 

Deixei de fazer tuuuuudo muito planejado. Enfim, a vida é hoje, é já, é agora.

Mulher ousada, mas ainda ensaiando passos para romper redomas. Redomas não protegem ninguém de nada. Uma sobrevivente sabe que é o enfrentamento que a protege. E assim sendo, quero me reservar o direito de seguir em frente e ser feliz. Como já disse... A felicidade é um Desejo. E eu desejo ser feliz. 

Estou encantada comigo...

Me lembrei, hoje, de certos ódios nativos... E de como ser livre e leve é uma experiência maravilhosa.

Grandes pequenezas...

Debruçar-se por horas a falar de amenidades a sombra de uma árvore. Encantar-se com tudo e com o nada. Provocar risadas... Isso é uma espécie de catarse, é um despertar de um sono profundo como condição singular de se ter e de se ser um sujeito em pleno estado de encantamento.

Romper!! A história pessoal aprisiona. A vida se descontinua, pessoas e situações mudam. E as rupturas abrem novas trilhas, novos caminhos, novas partilhas com gente que também foi muitas coisas.

Ninguém sabe o que está reservado para si. Todavia, é preciso abrir a porta para que o vento entre, para que o sol entre, a tempestade, a neve...e a brisa aromatizada pelas flores.

Abra a porta. Faça loucuras...Faça viagens inesquecíveis e inesperadas, me digo todas as manhãs.

E me dou conselhos...

Siga, se reinvente!! Porque depois do caminho tortuoso, é bom estar ao sabor do vento, como dizem os homens do mar...

E eu me ouço... 

Por isso, estou em movimento, galvanizando a minha energia vital para impulsionar novas energias. Energias do outro...O outro além de mim.



--


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

VEM CÁ LUIZA

Por Patrícia Leite
[8 de Fevereiro/2015]





Sim, “a felicidade não entra em portas trancadas”, leu em um cartaz e meneou a cabeça concordando. E, não por acaso, passou o dia com a frase pulsando em seu pensamento.


Estava imersa em um turbilhão...A vida parecia ainda estar de ponta-cabeça...Mas a vida estava mesmo era entrando no eixo.


Adormeceu em meio a oração noturna, mas não sem antes pedir a Deus que limpasse sua casa, sua alma ferida e seus pensamentos pouco iluminados.

Todavia, ao amanhecer, quando veio a resposta as suas preces, não soube distinguir se aquela experiência notívaga era um sinal ou se não passava de um sonho bom.

Logo, teve certeza. E deu-se conta de que o fato relevante a ser considerado é que seria de braços abertos que ela realizaria aquela missão em sua vida, apesar do medo.


Despertou e tomou conhecimento do tamanho e da importância daquele trabalho que iniciaria quando escutou alguém sussurrar em seu ouvido:

Não deixe que o medo seja maior que a tua fé!!

[...]


E foi ainda inebriada com aquele ordenamento que ela desceu novamente a colina, às seis da tarde, na hora do anjo, ao som da Ave-Maria, para ver ao longe o que estava por vir.

Pode observar, em silêncio e concluir... Sim, aquele espírito estava pronto e implorava pela chance de reencarnar. E não tardaria muito reencarnaria.

Aquele espírito velho trazia consigo uma alegria genuína de quem tinha recebido permissão do pai para um passeio incrível.

Corria descalça pela relva, com os cabelos cobertos de minúsculas flores e estava envolta em uma luz tão especial e restauradora que o lilás e o azul pareciam se fundir ao branco para depois explodir em centenas de milhares de Arco-íris que podiam ser vistos por todos os lados, em todos os mundos.

Ela aproximou-se correndo e tinha um brilho tão imenso nos olhos que é absolutamente impossível de ser descrito e exposto em palavras.

E foi diante deste espetáculo que aquela pequena mão entrelaçou meus dedos e disse:

Isso não é um sonho. Eis que lançarei luz em teu caminho e sua estrada será para sempre iluminada. Eu me chamo LUIZA e estou aqui para que nunca mais haja escuridão em tua vida.


Soube imediatamente que dali em diante nunca mais faltaria luz em nossa casa. Ela estava chegando... A luz estava chegando... O anjo da vitória era esperado e viria junto com a primavera.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

“CAFACANALHADA”

Por Patrícia Leite





“Estou muito mais para cafajeste do que para canalha”, disse sem cerimônia.

Mentalmente, ela antecipou o que seria vomitado daquela boca suja e sem modos e ficou rubra só de imaginar com que falta de decoro ele explicaria a diferença entre os dois tipos de indivíduos e de como certamente isto seria explicado no seu habitual arsenal de vocabulário chulo.

Ela, uma amante das palavras, desejou intensamente que ele definisse as diferenças com uma linguagem menos torpe. E, em detrimento do enorme constrangimento que sentiu, pediu a ele que explicasse sua teoria “cafacanalhada”.

– Eu nunca minto ou iludo uma mulher com qualquer propósito escuso. O homem cafa é aquele que você sabe que é HOMEM. E 90% dos homens tendem a isso. Se são homens, são cafa, sentenciou. E eu estou incluso nesse universo e isso te dá uma segurança com relação a mim. Sou HOMEM.

Realmente, hoje é difícil saber claramente quem é ou não homem. Pensou ela, mas não proferiu palavra. Aguardou em silêncio.

– O canalha eh diferente... Ele ilude, seduz, consegue o que quer e depois a mulher fica sem chão. Mas tudo isso são percepções parciais.

No fundo, pensou ela. Todos estão perdidos em seus papéis. Ele pareceu ler seus pensamentos...

– Eu confesso que tenho tido uma certa dificuldade. Sou romântico, gosto de namorar. Meus relacionamentos pretéritos duraram anos. E quando namoro, eh para valer... Janta comigo???

[...]

No romance, nesse espaço do incerto, não dá para ser santa e nem puta. Mas houve, para dizer o mínimo, ingenuidade por parte dela. Simplesmente, se deixou lotear. Simplesmente doou sua alma romântica ao estrangeiro de si e de sua vida pacata. Há muito, ela havia declinado da vida agitada e cheia de correria.

Ele notou. Sim, ele notou e desorganizou aquela casa arrumada. Deixou o coração dela aos pulos. Mordeu-lhe o juízo. Cortou o cinto de segurança, ferveu-lhe o sangue. Colocou tudo de cabeça pra baixo. E fez toda esta bagunça a luz de velas e ao som do melhor dos clássicos da MPB. Ele misturou, em uma coqueteleira invisível, uma pitada do canalha e uma dose cavalar do cafajeste que ele hospedava naqueles olhos de ébano.

E por todo lado aromas selvagens impregnavam o tecido dos lençóis, das roupas e principalmente o tecido dourado de suas peles morenas. Aninhados, braços e pernas entrelaçadas, adormeceram sem saber se é possível ou não, eles ou qualquer outro casal, oferecer um ao outro um dia branco, apenas. Num pedaço de qualquer lugar, como diria Geraldo. Sim, o Azevedo.