quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

BALANÇOS, PLANOS E METAS



Por Patrícia Leite

Tinha no andar a urgência da atitude desmedida. Era dona de uma imagem impecável e sabia e usava isso a seu favor. Unhas sempre bem-feitas e um corte de cabelo moderno emoldurava um rosto maduro. Uma maquiagem leve e sóbria completava o look discreto da roupa elegante que se propunha a vestir no dia a dia. Quando estava triste trocava o sóbrio pelo floral repleto de cores alegres.

Mas, sóbrio ou alegre demais, tudo não passava de um disfarce meticulosamente calculado para esconder e camuflar bem os seus sentimentos. Por isso, sorria, acenava com a cabeça e distribuía, por onde passava, educados desejos de bom dia.

O perfume marcante ficava no ar enquanto, do alto dos seus saltos 15, ela claqueteava o piso que a conduzia do elevador até sua sala. Quem via, certamente, pensava o quanto aquela mulher podia ser e estar sempre tão feliz. Alguns chegavam a invejá-la.

No birô de trabalho, dedos ágeis faziam relatórios, pontuavam e traçavam metas, e ainda enviavam, por e-mails, os textos que ela escrevia para si mesma contendo tudo o que ainda deveria ser feito nos próximos dias.

Fim de ano sempre envolvia balanços, planos e metas. Era o chamado tempo da urgência. Precisava colocar a casa em ordem. Mas como fazer aquilo se sua vida estava em completo desalinho.

Ela fingia não desanimar, mas vivia uma onda de desordem interna quase impossível de ser reorganizada. Até o final do dia, o relatório deveria ser encaminhado para os seus superiores. Mas ela estava tranquila quanto a isso.

Era tão organizada que mantinha os dados prontos para serem entregues a qualquer momento bastando apenas um ou outro detalhe de pouca importância para ser incorporado ao documento. Ainda assim, sempre relia tudo antes de enviar. Neste dia não foi diferente.

Assim que clicou em enviar, os pensamentos de repente mudaram de rumo. Resolveu escrever o seu relatório pessoal... Era hora de fazer o balanço do que vinha acontecendo em sua vida. Desesperou-se quando percebeu que neste setor – o da sua vida pessoal – não havia um só apontamento, um dado sequer.

Repassou mentalmente as poucas vezes que sentou para ver o sol se por ou nascer, às vezes que andou descalça e sem compromissos, que sentou para bater um papo descontraído com parentes e amigos ou que simplesmente andou sem pressa na chuva ou pela areia...Viveu para acumular patrimônio? Pensou, abrindo as gavetas da memória. Sim, aquela mulher deixou pra trás o que realmente importava.

Abriu um novo documento na tela e começou a enumerar e elaborar um novo modelo de projeto com introdução, objetivos, gerais e específicos, tempo de realização, metas...Enfim, tudo o que é possível prever em um projeto de grande monta. E concluiu:


Caminharia sob estrelas, nadaria em águas tranquilas e turbulentas...Se aventuraria, saltaria sem paraquedas na vida. Mas, ainda assim, segura do que quer. Porque viver é um certo se lançar sem as devidas redes de segurança. Viver é entrega, é arte. Viver não é fingimento ou fantasia. Viver é realidade. Viver é mais que abandonar pretéritos. Viver é um mimo do presente a moldar o futuro. Viver é uma urgência de atitude desmedida.

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