Por Patrícia Leite
Tinha
no andar a urgência da atitude desmedida. Era dona de uma imagem
impecável e sabia e usava isso a seu favor.
Unhas sempre bem-feitas e um corte de cabelo moderno
emoldurava um rosto maduro. Uma maquiagem leve e sóbria completava o
look discreto da roupa
elegante que se propunha a vestir no dia a dia. Quando
estava triste trocava o sóbrio pelo floral repleto
de cores
alegres.
Mas, sóbrio ou alegre demais, tudo não
passava de um disfarce meticulosamente calculado para esconder e
camuflar bem os seus sentimentos. Por isso, sorria, acenava com a
cabeça e distribuía, por onde passava, educados desejos de bom dia.
O perfume marcante ficava no ar
enquanto, do alto dos seus saltos
15, ela claqueteava o piso que a conduzia do elevador até sua sala.
Quem via, certamente, pensava
o quanto aquela mulher podia ser e estar sempre tão feliz. Alguns
chegavam a invejá-la.
No birô de trabalho, dedos ágeis
faziam relatórios, pontuavam e traçavam metas, e ainda enviavam,
por e-mails, os textos que ela escrevia para si mesma contendo tudo o
que ainda deveria ser feito nos próximos dias.
Fim de ano sempre envolvia balanços,
planos e metas. Era o chamado tempo da urgência. Precisava colocar a
casa em ordem. Mas como fazer aquilo se sua vida estava em completo
desalinho.
Ela fingia não desanimar, mas vivia
uma onda de desordem interna quase impossível de ser reorganizada.
Até o final do dia, o relatório deveria ser encaminhado para os
seus superiores. Mas ela estava tranquila quanto a isso.
Era tão organizada que mantinha os
dados prontos para serem entregues a qualquer momento bastando apenas
um ou outro detalhe de pouca importância para ser incorporado ao
documento. Ainda assim, sempre relia tudo antes de enviar. Neste dia
não foi diferente.
Assim que clicou em enviar, os
pensamentos de repente mudaram de rumo. Resolveu escrever o seu
relatório pessoal... Era hora de fazer o balanço do que vinha
acontecendo em sua vida. Desesperou-se quando percebeu que neste
setor – o da sua vida pessoal – não havia um só apontamento,
um dado sequer.
Repassou mentalmente as poucas vezes
que sentou para ver o sol se por ou nascer, às vezes que andou
descalça e sem compromissos, que sentou para bater um papo
descontraído com parentes e amigos ou que simplesmente andou sem
pressa na chuva ou pela areia...Viveu para acumular patrimônio?
Pensou, abrindo as gavetas da memória. Sim, aquela mulher deixou pra
trás o que realmente importava.
Abriu um novo documento na tela e
começou a enumerar e elaborar um novo modelo de projeto com
introdução, objetivos, gerais e específicos, tempo de realização,
metas...Enfim, tudo o que é possível prever em um projeto de grande
monta. E concluiu:
Caminharia sob estrelas, nadaria em
águas tranquilas e turbulentas...Se aventuraria, saltaria sem
paraquedas na vida. Mas, ainda assim, segura do que quer. Porque
viver é um certo se lançar sem as devidas redes de segurança.
Viver é entrega, é arte. Viver não é fingimento ou fantasia.
Viver é realidade. Viver é mais que abandonar pretéritos. Viver é
um mimo do presente a moldar o futuro. Viver é uma urgência de
atitude desmedida.
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