Estávamos
todos vivendo dias hostis. Insultos para todos os lados, posições
endurecidas, amigos tombando pelo caminho. Intolerância,
radicalidade, ódio em cada recanto. E ela vivia com o olhar borrado
de um choro que insistia em cair.
Não
estava acostumada com aversões intensas e aquela lama de odiosidade.
E, sobretudo, não queria ser parte de toda aquela sujeirada. Aquela
mulher era muito ética e pertencia a um tempo em que o respeito era
valor primal.
Os
jovens, observava ela, estavam sempre com sangue nos olhos e dividiam
as preocupações entre os insultos, o voto, o vestibular e o Enem.
As
redes sociais estavam em pleno colapso, uma espécie de ringue com
direito a chutes, socos, empurrões e toda sorte de agressões
possíveis.
As
redações, nem se fala, essas estavam um alvoroço só e as
Assessorias de Comunicação estavam igualmente frenéticas.
Os
partidos se mobilizavam e se agrupavam na tentativa de virar o jogo.
“Eleitores” acelerados fechavam acordos e faziam negociatas antes
mesmo de ter sido computado o primeiro voto.
E
tudo o que ela pensava, naquele instante, entre o gole de café
quente que descansava no console do carro, o barulho do limpador de
para-brisas, as notícias da Voz do Brasil e as buzinas dos mais
apressadinhos, era se conseguira ou não dominar os benditos
palitos.
Ela
queria aquela pausa, precisava daquela pausa. Ele também. Tudo que
queriam estava no simples. Ingerir algumas cápsulas de Cora, rir,
dançar, ouvir música, ler e declamar poesias.
E
foi com esse pensamento que ela, horas antes do fim do dia, pegou o
Whats App e arriscou saber se o caos do dia permitiria o encontro:
– “Passei
a semana treinando e comendo de palitinhos. Tive algum nível de
evolução. Mestre, que tal um teste para conferir a minha aptidão?
Ele:
– Enem do Sushi?
Gracejou ele e ela caiu na risada!! Prosseguiu ele: Sexta, os portões fecham às 20h30!
Gracejou ele e ela caiu na risada!! Prosseguiu ele: Sexta, os portões fecham às 20h30!
Ela:
– Chegarei em tempo de pegar os portões abertos e fechou o App
sorrindo para si.
Leve
e brincalhão, sem dúvida, esse era o tempero característico deles,
pensou… Sim, esse era sempre o sabor daqueles sempre “primeiros
encontros”.
No
caminho para casa ela ruminou: – Sempre tive uma enorme curiosidade
sobre onde e porque surgiu a singular arte de comer com os tais
hashi.
Ao
chegar em casa, em
uma rápida pesquisa descobriu que eles começaram a ser usados no
ano de 2.500 Antes de Cristo (AC).
Aponta
a
história que
os primeiros foram utilizados como suporte para grelhar carnes em
braseiros e que para não queimar as mãos, ao se servirem,
deu-se
início
ao
costume de usar palitos, feitos de bambu, para
se servir.
Ela
queria surpreendê-lo, embora ainda não se sentisse muito à vontade
com o danado par de palitinhos
de madeira.
Com
seu
jeito meio
desajeitado,
resolveu
contar com outros atributos e investiu
na caracterização.
Virou
uma Índia-Gueixa.
Colocou
uma Túnica japonesa azul, sapatilhas douradas e prendeu
os cabelos em um coque alto ornado
com
os
hashis
de penteado. Uma maquiagem amarrou o look.
Ao
chegar, sorriu e disse: se eu for reprovada na técnica, espero
ganhar pontos por vir caracterizada. Tudo estava no clima. Sim, definitivamente, o jantar era temático.
A
mesa estava posta. Os pratos rubros na
superfície se opunham
ricamente
ao
fundo preto e
o descanso de palitos branco ressaltava os palitos que combinavam com
as cores rubro-negras dos pratos.
As
taças, a vela a música
e
aquele sorriso largo davam
a certeza de que seria mais uma noite especial.
O
que nenhum dos dois sabiam é que o
deguste de ser sushi é algo inexplicável aos sentidos. Os tais
pauzinhos japoneses, normalmente utilizadas
como talheres foram
transformados em
armas nas
mãos daquele carpinteiro.
Primeiro
pegou-lhe pelos lábios e trouxe até a boca. Depois, pinçou as
orelhas e arrastou o naco humano de carne até os destes e mordiscou.
Ela entrou em um turbilhão. Um misto de medo do novo e lascívia
percorriam aqueles corpos.
As
pequenas varetas
pareciam
ter alma e vontade própria ao subir e descer pelo colo feminino,
mordiscar
o
umbigo, deslizar
pelo
costado, subir
e descer os montes, derrapar nas curvas.
Ele
pinçou cada gota excitada daquele corpo com a destreza de quem tem o
velho hábito de manusear os palitos. Ela sequer conseguia
lembrar como tudo voou até ali. Os palitos foram parte daquela
paisagem até serem derrubados no chão, junto com seus corpos
tremê-los e suados.
De
repente, tudo era apenas respiração cadenciada. No pensamento, o
título de uma nova crônica dançava com os dois entre os lençóis:
“O dia em que ele e seus hashis me fizeram Sushi”. Ele
pareceu ler seus pensamentos e os expressou em voz alta. Sorriram,
antes de adormecerem.
Sim,
juntos eles ressignificaram papéis. Os dele, os dela e porque não
dizer: dos palitos.
Brasília, 26 de outubro de 2018.