Por Patrícia Leite
[13.11.2020]
Ás vezes, voos solitários podem refletir o outro que nos habita. Esses reflexos são como sombras de nossas sobras a riscar outras peles, a desenhar nas águas e a planar em nossas ideias.
Do alto, percebo dois pares de passos na areia... Pouso. Sou ao mesmo tempo pássaro e humano. Me vejo de longe, de perto e de dentro.
A água do mar chega ligeira. Sorrateiramente a crista se curva e me rouba um beijo.
Depois, sem a menor inibição, sobe em forma de spray pelos meus pés, em grandes e pequenas bolhas. São borrifos salgados deslizando sobre minha pele aquecida e sobre os meus pelos dourados ao sol. Arrepio.
Eu tenho mesmo um estrangeiro em mim... Fogo quarador... Reflexo primitivo...
Esse outro, escondido nas inúmeras camadas de verniz social, se opõe ao meu riso frouxo e a delicadeza – é estrangeiro, é estranho, é Gaijim.
Esse hóspede intruso fala outra língua. E eu não compreendo. Ele não é belo e nem tem porte. É baixo. É muito viril e é letal.
Vez por outra, ele aparece. Quando menos espero ele está por aqui, por ali e acolá – aboletado. Louco para lançar suas farpas.
Cresce na fala rude, no gesto descontrolado. Não me reconheço na aspereza dele. Mas ele me alcança. Basta eu vacilar e ele está lá abraçado no impensado, no impulso. A gentileza pede passagem. Cedo.
Olho em redor buscando um canto para me esconder dele, daquele um de quem não gosto.
A gentileza volta a me cercar. Paro, escuto, volto a caminhar... As folhas estalam sob meus pés. Me procuro...Ouço cochichos, mergulho nos meus abismos – Introspecção.
Procuro localizar de onde vem os sons. Estão em mim, mas também estão fora.
Descubro de onde partem os sons externos. São as árvores da sabedoria sussurrando para as flores "coisas" de amor. Poesia pura.
Rubras de acanhamento, mas cheias de uma alegria incontida as flores bailam, deixam o vento roçar-lhes as pétalas molhadas. Cantam e imploram por tempos de paz.
A vida urge e ruge e o tempo intolerante pega carona na primeira "massa de ar quente" e se põe a planar sobre as bocas escancaradas em risos fakes. Eu choro.
Uma rajada mais forte e a minha queda foi certeira. Inevitável. Caio do alto da raiva. Me esborracho no breu.
Longe escuto uma voz, um eco... Uma mansidão: AMOR...AMOR... Acordei. Era apenas um sonho ruim. Suspirei.
A poesia veio entrelaçar os meus dedos e os dele, me deu pezinho e me fez criança. Gentileza é esperança e esperança é como poesia... SALVA!
Do alto da árvore olhei e sorri o mundo precisa da gentileza dos poetas. SEMPRE!