sexta-feira, 27 de novembro de 2015

VOTERNIDADE

Por Patrícia Leite




Ela se parece demais comigo. Ri alto, fala com as mãos e é estabanada. Mas também é despachada, forte, valente, destemida... 

Diz ter herdado o pior de mim: miopia, altura, tendência a engordar... Mas ela está enganada. Herdou de mim o meu melhor... É uma mãe apaixonada.

Sabe?? Philipe me pegou pedra bruta, muito menina. Veio para me garimpar, me extrair. Ela veio para lapidar. Mas joia mesmo só virei bem mais tarde. Para ser precisa, em 5.10. 15.

Até um dia desses, essa designer de joias, era mestre na arte de esconder emoções. Mas, este ano, aconteceram fatos que mudaram muito o meu eterno bebê. E transformaram a menina em mulher.

Hoje, ela chora por tudo e por nada. Chora de emoção, de medo, de angústia, de alegria...Ela chora!! Sim, ela chora!!  

Mas chorar, dizem por aí, que foi a forma que Deus encontrou para o amor de mãe vazar. E agora -- que seus olhos parecem rios a verter amor --, ela se parece muito mais comigo do que antes. Ela vai dizer que não. Rsrsrs...

Sim, eu também tive medo, eu também achei que não daria conta, eu quase morri de ansiedade sem saber qual era o caminho mais correto. E sim, eu deixei o amor me guiar, filha.

28 anos se passaram. Você fez de mim alguém melhor dia após dia. Com você aprendi a respeitar os limites dos outros, a perdoar o imperdoável, a amar incondicionalmente...

Ser mãe foi o meu melhor...Mas ser avó??? Ok. Cheguei no topo, estou nas nuvens.

Agora, não sou mais a mãezinha doidivanas e perdida que lia tudo que podia encontrar de dicas para não fazer de vocês os sobreviventes da minha inabilidade.

Agora sou a vovó...O oráculo?? O google?? Não! Apenas a vovó. 

E aqui fica uma confissão. Me pego tateando no escuro tentando aprender como ser a melhor nesse meu novo papel. 

Aprendendo sempre e todos os dias. Obrigada por fazerem parte dessa minha construção.




sexta-feira, 20 de novembro de 2015

REVIRANDO LENÇÓIS


Por Patrícia Leite







































Fotografia: Fernando Alves [15.11.2015] 

                                      
O Relógio tocou, às 4h da matina e, apesar de ter ido dormir às 2h, ela – que tanto detestava acordar cedo , levantou cantarolando. Estava alegre, ansiosa e animada. A vida estava no ritmo de sua urgência, pensou.  

Sim, ela tinha pressa em ser feliz. Jogou de lado as cobertas, vestiu-se rapidamente. Em poucos minutos, estaria nas entranhas da terra, vasculhando, se entrometendo, interagindo.

O sol apareceu acanhando, entre as nuvens, por volta das 5h30, borrando o céu com tons que variavam do amarelo ao vermelho. Uma chuva fina e um vento frio chegaram de repente para colocar em xeque a empreitada do dia.

Olhou a volta, analisou as nuvens, as condições de vento, calculou mentalmente e concluiu: Sim, teria cerca de 8h até que o temporal caísse.

Estacionou o carro no ponto de encontro, cumprimentou os companheiros de exploração e se juntou aos demais membros da equipe. Desta vez, foi sentada no banco detrás do carro e seguiu tecendo conversa fiada com dois desconhecidos. Logo, sentiu-se entre amigos.

Todos seguiram falantes pela BR-020, por pouco mais de uma hora. Mais ou menos uns 120 quilômetros depois, fizeram uma parada para tomar um pingado e comer um pão de queijo recém-saído do forno. Um friozinho correu-lhe a barriga. O destino final estava próximo – Caverna da Jabuticaba.

Sabia que o local ficava logo depois de Formosa-GO, no Distrito de Bezerra, e que teriam que rodar ainda um trecho pela GO-468 até chegarem a mineradora Santana, extratora de calcário e brita, e ponto de partida para um novo dia de aventuras. Ao chegarem na mineradora, caminharam por cerca de meia hora até que todos alcançassem a entrada da caverna.

Ela sabia, antecipadamente, que enfrentaria 1.674m de extensão, por debaixo da terra, segundo a Sociedade Brasileira de Espeleologia. E passaria por vários salões, um deles com aproximadamente 12 metros de altura. Também se preparou para os locais nos quais seria necessário passar só com a cabeça de fora d'água, há um palmo do teto da caverna.

O que ela não sabia é que a maior parte do percurso seria realizado dentro d'água, que em vários momentos o trecho seria profundo demais e que ela teria que nadar numa água extremamente gelada por longo tempo.

Em benefício da verdade, todos tinham sido avisados que a água era fria, que em alguns trechos do lençol ela bateria no teto e que seria necessário mergulhar para passar para outro salão. Mas entre a teoria e a prática há uma grande diferença. E nem bem a expedição começou...Alguém reclamou que estava entrando em hipotermia. Um certo exagero, é claro!!

Mas como se tudo isso fosse pouco... Ela descobriu aos 47 do segundo tempo, que só havia um jeito de sair dali. Teria que engatinhar sobre os detritos vegetais, abrir espaço entre os galhos, folhas e troncos para finalmente, na garganta da caverna, ter que se lançar no vazio.

Sim, no fim da caverna a única forma de voltar para trilha é saltar de um barranco com de cerca de 6 metros de altura, porque não tem como descer escalando, para cair por um tempo que parece uma eternidade dentro de um lago chocolate.

[…] Olhou para o alto, pediu proteção ao pai e saltou. O tempo pareceu não ter pressa, até ela emergir daquelas águas...

Uma chuva fina começou a cair novamente, o céu estava negro e anunciava que o temporal estava próximo. O cheiro de terra molhada e o perfume adocicado da jabuticaba encheram o olfato, bateram no céu da boca, deslizaram pelos pulmões e, ao final de todo esta explosão de sensações, o corpo suspirou, relaxou e entrou em equilíbrio.

A adrenalina agora era apenas uma lembrança boa. Mas viciada em adrenalina, fechou lentamente os olhos, degustou por mais um instante aquela sensação de prazer extremo e começou a desejar o próximo encharque de êxtase.








quarta-feira, 11 de novembro de 2015

BRISA BLASÉ

Por Patrícia Leite




Deitou-se com a cabeça a mil por hora. Sentia-se embotada. Não conseguia mais demonstrar interesse por nada. E nutria um principal desinteresse pelos excessos, quaisquer que fossem eles.

Mas a inaptidão para recomeçar um relacionamento amoroso era algo que colocava o amor no topo das coisas que nenos a entusiasmavam.

Ao contrário, despertava-lhe um absoluto desinteresse. Ela ainda se sentia presa a um amor do passado e esse era o mais esgarçado dos tecidos envolvidos na colcha de retalho que a constituía.

Dormiu pouco mais de 4 horas, naquela noite... Lentamente, virou-se na cama, sorriu maliciosamente, sem ao menos abrir os olhos, se espreguiçou e o primeiro pensamento que lhe ocorreu foi: – hoje é dia de me reinventar.

Começou a repassar mentalmente a lista das coisas que seriam necessárias a essa nova mulher.

Bocejou...

Talvez ainda usasse algumas peças das roupagens antigas, pensou. Mas o fato é que era chegada a hora de virar a página.

Tinha o hábito de lavar os cabelos ao acordar e antes de dormir... Manteria o hábito. Manteria ainda o prazer de se perfumar ao deitar e de se jogar nua sob as cobertas.

Sempre detestou dormir vestida. As lingeries, para ela, tinham uma única função: seduzir!! E ela era sexy e sabia usar isso em seu favor. Ok, manteria esse item no seu “guarda-roupas” também. O que mais levaria para essa nova mulher que nasceria hoje, pensou!?

Uma lufada de vento entrou pelas janelas, quarto a dentro e sacudiu as cortinas De Voil formando uma grande barriga. Parecia uma vela de vento em popa.

Ok. Estava decidido. Levaria a velejadora também e todo seu lado aventureiro. Não abriria mão das cavernadas, decidas de rappel, rafting, escalada, trilhas de pedal. Sim, estava decidido. Valeria a pena levar consigo a adrenalina dos esportes!!

Depois de fazer mentalmente as malas da nova vida, concluiu que amor é: “um caminho que começa em si mesmo”. Protagonizar era a palavra de ordem ...Esse era o sentido de tudo. O outro seria sempre coadjuvante.

Nascia uma nova mulher, trazia consigo o melhor da que tinha ficado para trás. E trazia consigo um brilho novo nos olhos...Enfim, descobrira finalmente o que lhe faltava. Procurou em todos os recantos...Andou e tateou no escuro...E [re]descobriu-se.


Sorriu tranquila ao se reencontrar. Estava em casa, de novo. Finalmente, se [re]habitava.