quarta-feira, 24 de junho de 2020

VOLTOU DE CORAÇÃO EM PUNHO

Por Patrícia Leite





















A
PASSARADA PASSOU CANTAROLANDO E RISCANDO O CÉU... 
ELA OLHOU... 

TRAZIA CONSIGO UMA MÚSICA  PRESA NA GARGANTA, A VOZ ESTAVA EMBARGADA.

NÃO, NÃO ERA TRISTEZA. ERA EMOÇÃO. FINALMENTE ELA ESTAVA LIVRE...

CORRIA... CORRIA... AS FOLHAS ESTALAVAM SOB OS SEUS  PÉS.

O CÉU ESTAVA AZUL... NÃO HAVIA UMA ÚNICA NUVEM... AZUL... INTENSAMENTE AZUL...

ELA VOAVA...  NO PENSAMENTO UMA LEVE BRISA... UM SOPRO... UMA VONTADE: TRANSGREDIR...

O FRESCOR DA INSUBORDINAÇÃO ENTROU PELAS NARINAS, ENCHEU SEUS PULMÕES...

UM PIQUE... NINGUÉM TEVE TEMPO DE DETÊ-LA. NEM TENTARAM...

A PLACA DIZIA: NÃO PISE NA GRAMA! 

MAS O ALERTA NÃO A IMPEDIU DE CORRER E MERGULHAR NOS MIL PEQUENINOS EXEMPLARES DE ARCO-ÍRIS...

TODOS ALI ESTENDIDOS, DESENHADOS NO SPRAY DO ASPERSOR. A SOMA DAS MINÚSCULAS GOTÍCULAS DE ÁGUA E DE SOL...

SIMPLESMENTE TUDO ERA COR... ERA O FIM DOS DIAS CINZAS... E ELA A CORRER E SALTAR EM FAIXAS COLORIDAS...

MENINA-MOÇA A CELEBRAR A VIDA... ERA UMA VISÃO!

AQUARELA MADURA DE MULHER RISCANDO, RABISCANDO E REINVENTANDO A NATUREZA HUMANA...

TINTA ELETRIZANTE ILUMINANDO O SAGRADO FEMININO... "FOGUEIRA SANTA" DAS ALEGRIAS INCONTIDAS...

ELA ERA PURO RISO DE CONTENTE, ROUPA MOLHADA... E ALMA LIBERTA...

OS OUTROS?? OS OUTROS ERAM OLHARES DESCONFIADOS E RECRIMINADORES ... MAS ELA NEM LIGOU... ABRIU OS BRAÇOS E RODOPIOU... ENCHEU O AR COM O SEU CONTENTAMENTO... IRROMPEU O SILÊNCIO SISUDO DA ORDEM ADULTA...

ELA ERA A REPRESENTAÇÃO MÁXIMA DA FELICIDADE INGÊNUA, PURA,  INFANTIL, IRREVERENTE. FELICIDADE TÍPICA DE CRIANÇA SAPECA...

NÃO, ELA NÃO QUERIA E NÃO QUER SER MADURA...  NÃO QUER SER ADULTA...

ELA QUER EMPINAR PAPAGAIO... VER A RABIOLA PICOTADA DANÇAR...BOLAS DE ALGODÃO A BAILAR NO AR...

ELA QUER SER A PIPA E LIBERTAR A CRIANÇA QUE ESTÁ DENTRO DELA...

ELA QUER SER PAPEL DE SEDA PRESA EM VARETAS DE BAMBU... ELA QUER ESTAR SOLTA, EM SUSPENSÃO...

ELA QUER A LINHA ENCERADA CORTADA... ELA QUER SEGUIR AO SABOR DO VENTO...

E ELA VAI...E ELE TAMBÉM...

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Barafunda

BARAFUNDA

Por Patrícia Leite 
[12 de junho de 2020]




















O sol acenava manhoso com preguiça de ir embora. O ar estava “borrado” de alegria... 

Éramos, os dois, ele e eu, a pincelada de tinta necessária para enfrentar a ausência de cor daqueles dias.

Olhei para ele e aqueles olhos escuros denunciavam que — por trás daquela máscara —, havia um sorriso largo de gente feliz e contente com a vida... 

Não importava o quanto o mundo estivesse do avesso...
















Sorri de volta, eu também me sentia plena — em ritmo de poesia. Era “um estado de ser”... Era uma alegria incontida. Era verso!!

De olhos postos no horizonte paramos o carro e descemos...

Dali de onde estávamos, podíamos ver margeando toda a estrada uma grande tela, possivelmente o mais belo de todos os quadros que eu já tinha visto até aquele instante.

Naquele dia — diferente das outras vezes que por ali passamos —, apesar da correria e do trânsito intenso, foi possível parar por um átimo de tempo e registrar — com um simples “clique” —, uma das muitas obras do criador: 

"O crepúsculo"













Sim, aquele pôr do sol era mesmo uma aquarela repleta de tinta. Muitos amarelos, laranjas e vermelhos contrastavam com um azul profundo — uma espécie de mescla acinzentada.

Sim, eram CORES VIVAS “sobre dias cinzas”...

Não externei, mas o cenário me trouxe lembranças de uma das muitas perguntas de minha meninice:

[...]

— O amor tem cor?
— Sim, tem!
— O da pele dos enamorados?
— Não, claro que não!

[...]  

Nas minhas conversas internas de menina-moça, nos meus debates mais secretos me meti a tentar explicar o amor para quem jamais tinha si sentido amada... aliás, melhor dizendo, para quem ainda não tinha sequer provado o amor.

Numa espécie de tentativa e erro, tentei esboçar o amor... Tentei explicar seu tamanho, complexidade e significado...

Comecei por “rabiscar” – fiz um croqui. Empunhei lápis e papel e desenhei uma boca...



















Depois, dei pigmento... E ofereci uma multiplicidade de bocas enrubescidas...
















No fundo eu estava tentando mostrar que o amor é como uma música alegre e que as notas de amor cruzam os lábios, por meio da fala...

Mas me dei conta de que as palavras não tem força suficiente para descrever o amor.

Olhando para o papel vi dançar beijos em Preto & Branco. Eu os sentia encarnados, escarlates...rubros como fogo que arde e queima...Beijos acesos como labaredas... 
















Visão colorida da “descoloração”: confete de carnaval... Serpentina...

O amor é o tambor do peito, pensei... é ritmo, percussão da alma e do coração... 














O amor é também descompasso...
















Pensei que se as palavras e seus melódicos sons não podiam explicar o amor...Talvez os sinais de pontuação soubessem e me ajudassem a explicar...Tentei!

Pretendi dizer que o amor é como o travessão [ — ]. Um sinal geralmente usado no início das falas no discurso direto, mas o amor não é exatamente um discurso direto...ao contrário, é sinuoso.













Um sinal gráfico não serviria para tentar dar uma explicação...
















Tentei outro caminho... 


















O amor tem cheiro e sabor...
















O meu, por exemplo, cheira a bem-estar e tem o doce sabor de frutas frescas, de caqui — fruta beijo.





Eu tentei mil estradas para explicar... Andei... Retornei... Recomecei... O amor é macio... 






















Mas apesar de afável é também petulante, agressivo...





















É manso, mas é também desaforado...

De repente, me dei conta que eu estava andando em círculos, dando voltas e pausadamente sentenciei em voz alta:

— Se você não conseguir explicar com palavras, com gestos e toques, com sabores, cheiros e imagens e ainda assim persistir tentando...
















Se você não consegue aprisionar em uma única definição ou em várias...

Se não consegue dar dimensão e ainda assim você quer por perto, mesmo deixando-o livre, mas também não pode sequer pensar em deixa-lo ir, se ele te é essencial... 

É AMOR!!

Celebrem... Levantem-se de madrugada — sem motivo especial —, apenas para conversar, ficar abraçados, fazer um cafuné, ouvir música, ver um filme...Rir...

Sempre que possível, caminhem lado a lado, andem de mãos dadas, gargalhem juntos até perder o fôlego...

Tenham opiniões iguais e tenham opiniões diferentes. Troquem impressões... Conversem... Se preciso, voltem um pedaço... Sigam por caminhos novos e também pelos usuais...

Se arrisquem...Se joguem...
















O amor é toda essa confusão... fogo no parquinho... Desassossego... O amor é uma grande aventura de sentimentos múltiplos... O amor é algazarra...É alvoroço...É barafunda... Não cabe em definição alguma... 


Então, simplesmente ame e se permita!!





#barafunda
#amor
#alegria

sexta-feira, 5 de junho de 2020

AMPULHETA SINESTÉSICA

Por Patrícia Leite

















As folhas do coqueiro balançavam suavemente do lado de fora. Poderia ser um dia qualquer como tantos outros, mas não era. Tudo era distanciamento... Ausência de contato... Solidão...

Mas, apesar disso, contrariando a ordem vigente, as longas folhas pinadas se sobrepunham, roçavam umas nas outras e farfalhavam como crianças alegres...

Na copa do pé de coco, o vento lançava-se desavergonhadamente e tomava nos braços, tirava para bailar as longas e delgadas folhas. E, ao rodopiar – vento e folhagem –, permitiram que meus olhos atentos entrevissem pequenos FRUTOS...

Sementes da vida... Era um balé verde e amarelo, quase um verde-dourado exibindo-se. Por baixo e por entre as “palmas” pendiam novos coquinhos... A vida pulsava, apesar de tudo e daqueles dias estranhos...

O vento soprou novamente e ainda mais forte, era vento de alvoroço, de inquietação, de entusiasmo... Era também prenúncio de chuva... Ou, pelo menos, parecia ser.

As folhagens seguiam se jogando umas sobre as outras e se abraçavam e assim como as crianças de outrora, elas – as folhagens –, pareciam poder aglomerar risadas e “brincar de montinho”... Faziam jogos de acolhimento, brincadeiras de natureza social...

As risadas e as brincadeiras já não eram mais das crianças e nem podiam ser... Essas estavam em casa... As “risadas” eram das folhas... Da natureza...Da vida que seguia seu curso sem “distanciamento”...

Uma nova lufada de vento fresco entrou sem convite pela janela do quarto e um quero-quero pousou na janela. Com seu penteado garboso e todo empertigado se pôs a cantar.

Corri para pegar o celular, mas antes que eu fosse capaz de abrir a câmera fotográfica ele voou.

Olhei para o relógio, 16h16min. Não resisti a provocação e brinquei sozinha “o jogo da sorte dos números repetidos”. Fechei os olhos e fiz um pedido...

Tudo repentinamente era apenas um emaranhado de sentidos e sensações: “Vi sons, senti o gosto das cores, toquei os sentimentos, inalei a plenos pulmões a esperança e por fim ouvi as promessas do silêncio”...

É... É isso mesmo, pensei!! Já não SOU nem prosa e nem verso... ESTOU poesia – SINESTESIA!




segunda-feira, 1 de junho de 2020

ORVALHO DA TRISTEZA

Por Patrícia Leite [1.6.2020]

Foto: Patrícia Leite

A poesia me chega nesta tarde vibrante como aquela última flor amarela e teimosa que resiste...

Lágrima que cai...

Na aridez da árvore seca, sem frutos e sem folhas... Lá está ela... A flor amarela... Enfeita a árvore...Enfeita ele e enfeita ela...

Sol pendurado na ponta do galho... Raio de sol que invade o frio do cinza...  Casca grossa de dias embotados...

Flor amarela... Sol de galha seca que insiste em provar que a vida pulsa...

Seca e sem folha... A árvore é símbolo...E a flor amarela alerta... É só uma estação e não morte... É vida em movimento...É RENOVAÇÃO!!

Gotas de orvalho que pingam dos olhos... Lágrimas coloridas... Choro amarelo...