sábado, 30 de novembro de 2013

TEMPO DE AMOR

Por Patrícia Leite [poesias]

O tempo do  amor que fere é tempo que se arrasta... Porque a dor do tempo do amor que fere é lastro, é peso, é  arremedo de encalço. 

O tempo do  amor que fere é luz de alcance que se afasta, é compasso de quem espera assombro de morto. É escuro. É frio. É solitário.

O tempo do  amor que fere é fantasma de sentimentos, lembranças do que não foi, saudades de outra era. O tempo do  amor que fere é amor que nunca foi.

 Porque amor que é amor não pesa, não dói, não afasta, não arrasta, não conta tempo e nem espera. Amor não é prisioneiro do tempo. Amor nem é lento, nem tem pressa. 

Amor não é tempo parado, nem tempo brando, tampouco calmo. O tempo do amor tem contagem diferente...O tempo do amor... é o tempo que ele arde. É o tempo que ele dura. 

Gargalhadas [poesia]

Saltando entre os pontos, entre um e outro conto, engasgando de tanto rir...eu...simples assim...choro de rir...rolo...soluço...perco o fôlego e me recupero para ter uma nova crise de rir...

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

#DESNUDA & DESCALÇA


Por Patrícia Leite 

VONTADE de levantar da cadeira, colocar uma mochila nas costas e colocar o pé na estrada ao som de Eddie Vedder. Por quê? Porque há horas em que todos os espaços são pequenos, estreitos, fétidos e sufocantes.

Porque tenho vontade de SUBVERTER... De dormir sob as estrelas, de nadar em rios turbulentos –
super bem-vestida de nada, coberta apenas pelos meus próprios pelos.

Alguns dirão que isso é o sangue índio gritando por liberdade. Mas há tantos PORQUÊS...

Porque quero saltar de cachoeiras, velejar no mar, subir montanhas, descer penhascos, almoçar em cavernas, nadar com golfinhos, chorar PRETÉRITOS e seguir em frente.

Conceitos, preconceitos, conduta, ética, moral, hábito, regras, leis...ORDEM.

Ordem de quem, minha gente? Estabelecida por quem, minha gente? Nasci de um parto normal, de uma mulher normal, em um lugar normal, em uma cidade normal. Encarnei desnuda e descalça. SOZINHA.

Plantei árvores, tive filhos, escrevi um livro. Justifiquei, segundo dizem, a minha EXISTÊNCIA. Mas nunca nadei no mesmo rio, porque o rio corre e se transforma a todo momento. Nunca andei na mesma estrada, porque até as pedras se movem e modificam seu lugar de origem.

Nunca estive com os mesmos amigos... Porque pelas mesmas razões que as minhas e por tantas outras eles também se [re] inventam e se tornam outros a todo momento. Porque quando encontro os “velhos” amigos, faço amigos novos, e faço isso todos os dias, há meio século, ou seria um século, ou alguns milênios?? Não sei. Todos os dias, sou alguém novo. Mas sou um alguém que aprendeu a rir dos arranhões, das CICATRIZES, dos desastres.

E quando eu voltar desta grande mochilada que iniciei esta manhã, quero sair VESTIDA apenas de minhas próprias histórias, calçada com as experiências das derrapadas que dei. Mas também quero sair da pista...Desta vez, mais consciente, mais em alta velocidade, rumo ao desconhecido...Quero trombar com a experiência daquele outro que não me habita e me renovar.

Porque descobri, a um certo tempo, que para ser feliz é preciso estar VULNERÁVEL ao que tiver que vir. Não dá para “viver a vida” sem adentrar a dura selva de pedra em que transformaram nossos corações desapontados, traídos, enganados... Não dá para “viver a vida” ressabiada, recolhida, enclausurada, ensimesmada como cadela mordida de cobra que não pode ver linguiça que corre com medo.

PORQUE Sociedade realmente louca espero que não esteja solitária sem mim” durante a minha ausência nesta engrenagem do acaso e do caos.





TEMPORALIDADE

por Patrícia Leite

Carregava no pescoço um relógio que, conforme a candência dos quadris, pendulava mais lento ou mais rápido. Esse balançar dava-lhe a falsa sensação de controlar o tempo. Mas esse continuava implacável na contagem regressiva e tiquetaqueava o "semitom" de seu próprio definhamento biológico.

O tempo não é justo. Em detrimento da vontade e da ciência, o tempo não é regular. O tempo é relativo. É lento durante as tormentas e ligeiro, muito ligeiro quando se trata dos momentos que queremos perpetuar.

O tempo, quando é intempérie, é inimigo discreto e exaspera a alma em compassos de pulsos e repousos dramáticos. O tempo eviscera os mais fracos e ostenta os nossos diabos interiores. No contratempo do tempo estão os anjos que esperamos que um dia nos salvem. Mas tudo isso somente no tempo que o tempo quiser.

Sem tempo para o tempo preguiçoso e na ânsia de tudo sorver, há dias em que queimo as passarelas de contato. Em outros, quando me esqueço do quanto o tempo é desonesto e sorrateiro, construo pontes sólidas por cima de rios caudalosos e passeio sem me lembrar da pressa do tempo.

Mas, diariamente, entre um tic-tac e outro, renovo sonhos, busco novas estradas, corro o mundo. Algumas vezes só. Em outras, bem ou mal-acompanhada. O importante, porém, é o movimento. É. construir, desconstruir, começar de novo e driblar o tempo que o tempo pensa que me resta. Porque no fim das contas, quando o tempo atinge o apogeu da própria finitude o importante é o percurso, a trajetória, a linha descrita por um ponto material. O eu em movimento.

Importante é constatar que usamos o tempo bem. Fizemos pausas para enxergar o outro, paramos para um abraço amigo e para dar um beijo. O importante é concluir que estagnamos o tempo todas ás vezes em que o dedicamos ao amor.


quinta-feira, 28 de novembro de 2013

INTIMAÇÃO

[série contos]
Por Patrícia Leite – 28/11/2013

Ele entrou na sala de reportagem como quem está fugindo da polícia. Ou como se fosse um policial correndo atrás de um bandido. No caso, uma bandida.

– Onde ela está? Berrou, com o rosto transtornado.
– Ela quem? Respondeu um coro de vozes estupefatos.
– Ela quem? Ele devolveu a pergunta.

De fato, todos sabiam.

– Não veio hoje, disse um dos cinegrafistas!
– Mentira, grunhiu ele!!

E era...Não adiantava tentar acobertar.

Aqueles saltos quinze no porcelanato tinham um som inconfundível e todos sabiam. Até poderia ser uma outra mulher apressada para o trabalho, alguns ponderaram isso mentalmente, caso o compasso urgente deste caminhar não tivesse trazido consigo e derramado no ar aquele perfume marcante.

Não era só a métrica provocada pelos saltos dela que denunciavam sua estada em um lugar. O que a delatava era um conjunto de sons, cheiros, sabores e movimentos muito peculiares.

Ninguém podia culpar aquele homem pelo estado de loucura em que se encontrava. Seria um grande baque para ele ser rejeitado por ela.

Acaso...Destino...Quem sabe?

O fato é que ele nunca entendeu porque ele sempre foi o oficial de justiça escalado para intimá-la às audiências de uma separação extremamente conturbada e que colocava fim a um casamento de duas décadas.

Certa vez, em uma das muitas ocasiões em que veio intimá-la, ao longe e apesar da aparente discrição, foi possível ouvi-lo confessar:

– Rezo todos os dias para que este litígio demore. Assim, posso vê-la muitas vezes.

Aquele comportamento era absolutamente inadequado para um oficial de justiça. Por mais que ele tentasse ser discreto, ele não era exatamente o tipo de homem que pudesse passar despercebido. Branco, mais ou menos uns 90 quilos, um metro e noventa de altura, olhos azuis. Poderia ter a mulher que quisesse. Mas ele a quis. Aquela mulher que não queria pertencer a mais ninguém.

Ele não deu ouvidos aos gritos da sua intuição e aquele encantamento inicial virou paixão e, depois, doença, obsessão. Na vida daquela mulher de sorriso largo e olhos tristes, como ele tantas vezes mencionou, apesar de seduzi-lo, não abriria espaço para ninguém chegar.

Era comum ouvi-la dizer:

Estou que nem cachorro mordido de cobra, corro de uma simples linguiça para evitar um outro ataque. Outras vezes, falava sorrindo:

– Gato escaldado tem medo de água fria. Tô bem como estou. Consigo ser feliz assim. Sou uma ótima companhia para mim mesma. E soltava uma longa e sonora gargalhada para depois completar: – Aquela que se acha.

Mas ela deveria ser mesmo uma boa companhia para si mesma. Sempre foi muito bom estar ao seu lado. Nos períodos de férias, todos reclamavam sua ausência. E o seu retorno era recheado de histórias interessantes, de escaladas, mergulhos em alto-mar, passeios de barco, expedições em caverna, trilhas com centenas e centenas de quilômetros...

Tudo naquela mulher tinha um pulso vital que nos contagiava. Amava cozinhar e receber amigos. Os mais próximos diziam que seu hálito tinha um cheiro exótico de gengibre e canela. Contraste muito interessante, diga-se de passagem, com aqueles lisos cabelos negros e a pele sempre morena. Para dizer o mínimo, era mulher que não passava incólume.

Enquanto todos absorviam a cena e ouviam a vociferação do oficial, ela entrou na sala, olhou a todos e sentenciou:

Houve um tempo em que dei um boi para não participar de um barraco e quando entrava dava uma boiada pra não sair, sorriu com sarcasmo, depois, virou-se por cima dos saltos, olhou sobre os ombros e disse: acalme-se homem. Não preciso de testemunhas, a não ser as que serão absolutamente necessárias. Pare de estardalhaço. Não foi você mesmo que disse que não era um pedido de amor? Que se tratava de uma intimação? Vim só pegar uma caneta.

As mulheres suspiraram de alívio – enfim ela foi fisgada, saiu da pista. Os homens deixaram escapar um certo gemido que em um primeiro momento parecia ser de dor. No fundo, todos se sentiram meio viúvos, meio divorciados. Afinal, ela rasgou qualquer possibilidade, qualquer esperança. Estava amando novamente.








terça-feira, 26 de novembro de 2013

Legado

Bora lá...

Não tem nada mais apavorante para um jornalista do que não saber por onde começar um texto. Raras foram às vezes que isso aconteceu comigo. E, nestas poucas ocasiões, o problema, em geral, foi excesso de inspiração. Hoje, não foi diferente.

Por mais estranho que possa parecer, apesar de já ter escrito algo na casa de cinco mil crônicas, centenas e centenas de textos jornalísticos,  poemas, artigos, colunas, enfim... Milhares de textos. Alguns, diga-se de passagem, para homenagear pessoas das quais pouco ou nada gosto.

Hoje, dia em que queria homenagear alguém extremamente especial, as palavras me faltaram. E olha que as palavras sempre  me foram generosas e jorraram com facilidade e abundância a vida toda. Bom, provavelmente,  porque hoje eu é que me sinto incrivelmente homenageada.

O fato é que, há algum tempo, tive um sonho incrível de que eu receberia um presente para todo o sempre. Um tesouro que me chegaria sem aviso, mas que eu teria que me esforçar muito para que ele fosse realmente meu. Eu teria que fazer por onde merecê-lo. Ainda acho que não o mereço. Mas me esforço, diariamente, para ter este merecimento.

Pois bem...Depois deste sonho, acordei muitas manhãs ansiosa, revezei noites em claro com sonos de dia inteiro.  Comi feito desesperada, para depois colocar tudo pra fora.

As mudanças de rotina não pararam. As físicas... também não.  Meu peso aumentou, os seios cresceram, o quadril alargou, as pernas incharam, as costas ficaram em brasa, o nariz virou uma chapoca...

Fui ao médico, numa fria manhã de maio. Aquele quadro caótico tinha que ser mudado. E foi... Piorou terrivelmente. Durante sete longos meses, revezei os dias de internação com uma ou outra breve saída do hospital. Sim, aquele final de 1987 me reservava o maior regalo que eu poderia vir a sonhar em ter. Estava grávida.

Não foi uma nem duas vezes que disse em minhas orações: Deus, obrigada pelo presente, mas não dava para vir com menos dor, menos mal-estar, menos cansaço???

Depois , conclui que não. Aquele lindo bebê veio ao mundo sem o coração bater, sem respirar, sem reagir aos estímulos dos aparelhos, dos choques elétricos. Temi pelo pior.

Ainda meio sedada, cansada e absolutamente fraca ouvi o médico dizer: menina, 2 quilos e 100 gramas, 36 centímetros. Sem reação.

Juntei um tiquito de força que ainda me restava, levantei a cabeça e disse: Não desista, minha pequena, temos uma missão para cumprir. Você é o tesouro que me foi prometido. Lute.

E aquele serzinho minúsculo sequer chorou, apesar das palmadas do médico, dos choques elétricos,  do oxigênio em suas pequenas narinas...

Ela simplesmente apenas abriu os olhos, espreguiçou, soltou uma espécie de gemido, como se estivesse despertando de um longo estado de sono e de descanso. Nascia uma guerreira, pronta pra enfrentar as batalhas que estavam por vir.

Nos primeiros meses, dormia muito, não chorava nunca, se alimentava do mínimo,  sorria com doçura,  por trás daqueles olhos sempre semicerrados.

O pai e eu  sonhávamos com seu futuro, o primeiro dia na escola, as aulas de dança,  de natação,  a primeira comunhão,  o casamento... Como guiaríamos aquela pessoainha tão indefesa até a fase adulta. Responsabilidades, despesas, coisas da vida prática. O futuro nos reservava surpresas inimagináveis.

Os anos passaram rápido. Aquele espírito velho, vivendo naquele corpo de criança, sempre tinha algo a me ensinar. Sempre via o lado bom de tudo. Me ajudou a espalhar entre os parentes e amigos que o único caminho a ser seguido é o caminho do amor. Me ensinou a esperar, doar, perdoar. Foi como muita alegria que vi a metamorfose acontecer.

De repente, quando me dei conta, aqueles 36 centímetros se multiplicaram. Um gigante com pouco mais de um metro e meio, me ensinou e ensinou a todos que você pode chegar no mundo sem estardalhaço, pequena, leve, sem chororô. Mas você não pode estar nele em silêncio.

É preciso ter discurso e o discurso tem que acompanhar a ação e a ação tem que virar exemplo e o exemplo virar reflexão e a reflexão tem que transformar e a transformação deve trazer felicidade. Porque ser feliz é uma decisão.  É uma tomada de posição.  E esta condição de ser e estar no mundo é o nosso maior tesouro.

E foram necessários 26 anos para que eu tomasse consciência do tamanho do meu patrimônio.  Sim, filha, você realmente é minha riqueza, meu tesouro. Sim, aquilo não foi apenas um sonho, foi um sinal. Sim, agora sei porque me faltaram as palavras. Porque este texto não trata de homenagear você.  Mas, antes e sobretudo, este texto trata de dizer ao mundo que amar incondicionalmente é mais que riqueza, é mais que um tesouro, é um legado.
ANJOS NÃO TEM SEXO
Por PATRÍCIA LEITE

Nesta terra onde todos pensam ser reis e rainhas...Onde tudo gira em torno do próprio umbigo...fico com os Príncipes, especialmente com os príncipes das tempestades -- aqueles que olham adiante, olham para o outro e para suas aflições.

Não, os anjos não tem sexo...E podemos até estar de mal com eles. Sim, fico de mal dos anjos, vez por outra. Sou assim...Fazer o que??

Mas ...

Quando tudo parece perdido, estranho e sem saída...Quando o pânico toma conta e tudo parece ainda mais frio, perigoso e sombrio... Quando a chuva parece trazer com ela sombras de velhos fantasmas... Talvez eu não chore, mas dói. Talvez eu chore demais e as lágrimas me deixem cega.

E se isso também acontecer com você...Vai por mim...Pare, respire e perceba que você não é uma ilha, por mais que tudo ao seu redor seja água. Sempre haverá um socorrista.

Sempre haverá um príncipe das tempestades, nossos anjos. Alguém que vai estar ali falando com você, te acalmando, colocando as coisas nos seus devidos lugares. Deixe a ajuda chegar. Aceite-a.

E PERCEBA

A chuva sempre vai parar, o dia sempre vai amanhecer, o sol sempre vai voltar a brilhar. E ninguém pode ferir você para sempre. Portanto, siga em frente. Um passo de cada vez, no seu tempo, por mais que digam que você está sendo vagaroso, não se importe. O que conta é a estrada que está sendo percorrida e ela sempre será mais divertida se você tiver alguém para segurar sua mão.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

#Questãodetempo

Passei o dia em cólicas a espera da hora de pelear. Sem armas, de mãos vazias, sem movimentos bruscos. Apenas amotinada na relva escura do espaço cibernético...Observando, espreitando. 

Navegando...navegando...Navegando.

Eu, apenas um rosto anônimo, com as tripas em chamas. Eu, a todo vapor, seguindo em frente com o sangue esticando veias e vasos. Eu, solitária, navegando em águas revoltas, quase náufraga...

Fui desclassificada. Imperícia técnica, disse o juiz!!

Mas tudo aquilo, todo aquele esforço, era apenas para cumprir uma etapa da regata da vida. Tanto esforço pra nada. Havia força na remada. Mas ainda não havia técnica suficiente, sentenciou meu instrutor.

Aborrecido e diante do meu fracasso, ele apenas virou -se sobre os calcanhares e saiu do cais. Não olhou para trás, não se despediu. Apenas sentenciou:

"deixemos as coisas esfriarem, por enquanto. Afinal, em nenhum momento eu te disse que esta vida que escolhi era fácil e que sim...deveríamos ter estomago para fazer nosso trabalho. Mas, agora, percebo que eu errei em pensar que você poderia... suportar".

Sim, pensei, eu posso suportar, professor. Posso remar até que minhas mãos sejam moídas. Mesmo que elas encham de bolhas e sangre. Tenho consciência de que não é fácil. Uma rajada de vento, uma onda mais alta, um erro... E o barco pode virar...posso ser arrastada pela correnteza.

Mas saiba professor que o senhor pode até nem mais querer me ensinar. Mas eu vou atravessar a linha de chegada em primeiro lugar. Nem se sente. Por favor, fique de pé. Vou vencer. É uma questão de tempo. Pouco tempo.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

TURBULÊNCIA

Por Patrícia Leite  [   5 de novembro de 2013     ]

Sejam bem vindos ao solo dos que terminam a viagem íntegros,  apesar dos desastres


A consciência parecia deslizar em uma banheira de espumas. Vez ou outra, as bolhas estouravam e a carcaça sacudia de um lado para outro, despencava, afundava veloz e aterrorizantemente para logo depois emergir.

Era possível ouvir os gritos de terror daquela alma aflita.  A zombaria de suas crianças interiores pareciam salpicar de pânico tudo em sua volta. Era tudo caos, mas também esperança.

Aquele ser tinha uma bagagem pesada, rodinhas não iriam facilitar o transporte de seus pertences de um lado para o outro naquela estrada.

Mas, apesar do que trazia na bagagem: alegrias e tristezas, perdas e ganhos, derrotas e vitórias, paz e guerra e toda a sorte de sentimentos contraditórios, ela sabia que o importante foi quem esteve com ela durante todo o percurso.

Não há questões impossíveis, ponderou. Há missões bem ou mal sucedidas na condução das resoluções do grande voo que é a vida. Um só comandante para uma grande tripulação. Sim, haverá turbulências, mas a aterrisagem ainda assim pode ser suave.


sexta-feira, 1 de novembro de 2013

AQUARELA -- Por Patrícia Leite [1º de novembro]

Depois de incansáveis noites de insônia, dormiu o sono dos justos, mas levantou-se pronta para botar fogo no mundo. No pensamento martelava a frase de Albert Einstein –“Nenhum problema pode ser resolvido pelo mesmo estado de consciência que o criou”. Novo estado de consciência... Novo estado, [re] pensou. Lembrou-se do Carvalho. Carvalho... Pau que dá em doido... Seus pensamentos eram marretadas tão duras quanto à própria natureza do Carvalho, pensou. Sentiu vontade de defenestrar os frutos desta “árvore”, desta [in] consciência. Levem de volta suas bolotas, landes vazias de sentimento e sorte, bradava interiormente. Mas como? Zumbidos e sussurros incitavam a mente atormentada por seus fantasmas... Tonta, sem ar, buscando calmaria, olhava em pânico a chuva que caía torrencialmente a sua volta... No capô do carro, no para-brisa, na grama, no asfalto, no lago, na alma. Água por todo lado. Lágrimas... Novas poças... Outras águas... Podia ouvir, ainda que as janelas tivessem fechadas, os uivos do vento, do passado, da alma, da dor, das novas águas. Tudo embaralhado. Carros, quartos, portas, janelas, telhas, águas, poças, trovões, relâmpagos... Silêncios, grito abafado, infância roubada, inocência perdida, medo... Uivo de lágrimas, uivo de águas. Outras vozes... Sons do presente, sons de ordem, decisões, cura, vontade. Outras águas... Decisões e novas angulações começaram a surgir com ferocidade e passaram a ser regurgitadas de suas gavetas interiores, de seus arquivos secretos, de suas estranhas de silêncio, de suas cavernas de angústias e verteram águas... Antes de abrir os olhos, decidiu: vou causar, vou tocar o terror, vou pintar este céu cinzento com tons de amarelo, laranja e vermelho porque a boca quente é viva, é vibrante, e é ávida por justiça. Porque a boca viva decide, rompe silêncios... Porque a boca viva é boca apaixonada, é boca rubra, é boca que pincela de rubi tudo que toca. Porque a boca viva é inclusive e, sobretudo, a que rompe o céu glacial da terra. Porque o sol que arde depois das águas é também o sol do céu das bocas borradas de paixão.