sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

CHEGADAS E PARTIDAS

Por Patrícia Leite

O dia despertou frio e chuvoso, nuvens carregadas e escuras encobriam o sol. O cheiro de terra molhada cheirava também a tratos, acordos, e certos combinados. Um gole d'água ajudou a descer uma lágrima que teimava em querer cair e disfarçou o gosto amargo – travo de saudade.

Em pé na estação, esperou silenciosamente o trem da partida. Todos falam das lágrimas e da dor de quem fica, mas quem vai sente-se igualmente doído. Todavia, ninguém nota.

Mais uma mudança. Tudo na vida tinha prós e contras, pensou. Trazia na postura e no modo de andar a obrigação de se adaptar. Pensou na teoria da evolução. Seria preciso fazer novos amigos, assumir um novo posto de trabalho, transformar o próximo teto em abrigo, em casa, em lar.

A mudança partiu antes e chegaria também antes dela. E ela poderia passar um tempo só, antes de arregaçar as mangas e colocar tudo no lugar. O seu caos interno também precisava ser organizado. Enquanto isso, aproveitaria para visitar lugares novos, curtir as festas de fim de ano, ver parentes.
Levantaria um brinde silencioso em seu nome e em nome do que viveram juntos, antes de fazer uma ligação desejando um feliz ano novo.

O freio do trem fez ranger os trilhos e a trouxe de volta a realidade. Observou em volta. Tudo era envolto em uma aura de abraços e gritos de euforia dos que estavam chegando e encontrando filhos, família, amores. A festa própria das chegadas. Mas ela estava indo... E, por mais acostumada que estivesse com as mudanças constantes, aquele lugar tinha lhe dado algumas alegrias. Sentiria falta de alguns recantos e de algumas pessoas. Uma em especial.

Deixou para trás alguém que lhe confessou amor e cumplicidade. Alguém com quem compartilhou sonhos e trocou confidências. Sabia que podia voltar quando quisesse, sabia que podia vê-lo sempre que tivesse vontade. Mas sabia que ele estava longe do seu alcance, naquele momento.

A sala não estaria mais cheia da sua gargalhada. Os lençóis não guardariam por muito tempo o seu perfume. O seu cantarolar não estaria mais preenchendo seus silêncios. Teria uma ou outra foto que poderia olhar vez ou outra. Memórias. Tentou concentrar-se no futuro. E foi impossível não pensar se haveria um futuro para eles.

Segura e altiva sustentou um sorriso no rosto tímido e deixou escapar em voz alta: É a vida!! Mas a vida é cheia de sonhos... E ela sabia sonhar. Sonhou sair do interior, sonhou em ter sucesso. E teve. Sonhou muitos sonhos que foram aos poucos se tornando realidades. Não seria agora que perderia a capacidade de sonhar novos sonhos e focar nas novas metas.

As lágrimas quiseram cair novamente e ela as segurou. Não choraria. Não iria se expor. Bancou a durona. Não haveria adeus. Beijou-lhe suavemente os lábios e disse apenas: – A gente se fala. Estava partindo...Mas quem parte, cedo ou tarde, também chega para um novo recomeçar.

Idas e vindas... Sabia que tornariam a se ver em breve. Era uma questão de tempo. Tinham planos e não desistiriam de seu destino. Já não eram mais crianças. Ambos eram maduros e saberiam esperar pela hora da chegada. Ainda assim, sentia-se como uma pena ao vento...


Trazia no íntimo a certeza de que os sonhos ajudariam. E que os bons ventos que carregam consigo os sonhos os levariam para onde desejavam estar. Talvez não houvesse gritos de euforia na chegada, mas haveria o longo suspiro de quem está definitivamente livre para voar alto e muito além da linha do horizonte.

2 comentários:

  1. Meu Deus!!!
    Amei cada palavra...
    Como o sentimento ficou perceptivo, incrível.
    Ah, tão eu. rsrsrsr

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    1. Leniane, fico feliz que tenha gostado. E vc está certa quanto aos sentimentos... Desta vez, não foi possível disfarçar.

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