Por Patrícia Leite
O dia despertou frio e chuvoso, nuvens carregadas e escuras encobriam
o sol. O cheiro de terra molhada cheirava também a tratos, acordos,
e certos combinados. Um gole d'água ajudou a descer uma lágrima que
teimava em querer cair e disfarçou o gosto amargo – travo de
saudade.
Em pé na estação, esperou silenciosamente o trem da partida. Todos
falam das lágrimas e da dor de quem fica, mas quem vai sente-se
igualmente doído. Todavia, ninguém nota.
Mais uma mudança. Tudo na vida tinha prós e contras, pensou. Trazia
na postura e no modo de andar a obrigação de se adaptar. Pensou na
teoria da evolução. Seria preciso fazer novos amigos, assumir um
novo posto de trabalho, transformar o próximo teto em abrigo, em
casa, em lar.
A mudança partiu antes e chegaria também antes dela. E ela poderia
passar um tempo só, antes de arregaçar as mangas e colocar tudo no
lugar. O seu caos interno também precisava ser organizado. Enquanto
isso, aproveitaria para visitar lugares novos, curtir as festas de
fim de ano, ver parentes.
Levantaria um brinde silencioso em seu nome e em nome do que viveram
juntos, antes de fazer uma ligação desejando um feliz ano novo.
O freio do trem fez ranger os trilhos e a trouxe de volta a
realidade. Observou em volta. Tudo era envolto em uma aura de abraços
e gritos de euforia dos que estavam chegando e encontrando filhos,
família, amores. A festa própria das chegadas. Mas ela estava
indo... E, por mais acostumada que estivesse com as mudanças
constantes, aquele lugar tinha lhe dado algumas alegrias. Sentiria
falta de alguns recantos e de algumas pessoas. Uma em especial.
Deixou para trás alguém que lhe confessou amor e cumplicidade.
Alguém com quem compartilhou sonhos e trocou confidências. Sabia
que podia voltar quando quisesse, sabia que podia vê-lo sempre que
tivesse vontade. Mas sabia que ele estava longe do seu alcance,
naquele momento.
A sala não estaria mais cheia da sua gargalhada. Os lençóis não
guardariam por muito tempo o seu perfume. O seu cantarolar não
estaria mais preenchendo seus silêncios. Teria uma ou outra foto que
poderia olhar vez ou outra. Memórias. Tentou concentrar-se no
futuro. E foi impossível não pensar se haveria um futuro para eles.
Segura e altiva sustentou um sorriso no rosto tímido e deixou
escapar em voz alta: É a vida!! Mas a vida é cheia de sonhos... E
ela sabia sonhar. Sonhou sair do interior, sonhou em ter sucesso. E
teve. Sonhou muitos sonhos que foram aos poucos se tornando
realidades. Não seria agora que perderia a capacidade de sonhar
novos sonhos e focar nas novas metas.
As lágrimas quiseram cair novamente e ela as segurou. Não choraria.
Não iria se expor. Bancou a durona. Não haveria adeus. Beijou-lhe
suavemente os lábios e disse apenas: – A gente se fala. Estava
partindo...Mas quem parte, cedo ou tarde, também chega para um novo
recomeçar.
Idas e vindas... Sabia que tornariam a se ver em breve. Era uma
questão de tempo. Tinham planos e não desistiriam de seu destino.
Já não eram mais crianças. Ambos eram maduros e saberiam esperar
pela hora da chegada. Ainda assim, sentia-se como uma pena ao
vento...
Trazia no íntimo a certeza de que os sonhos ajudariam. E que os bons
ventos que carregam consigo os sonhos os levariam para onde desejavam
estar. Talvez não houvesse gritos de euforia na chegada, mas haveria
o longo suspiro de quem está definitivamente livre para voar alto e
muito além da linha do horizonte.
Meu Deus!!!
ResponderExcluirAmei cada palavra...
Como o sentimento ficou perceptivo, incrível.
Ah, tão eu. rsrsrsr
Leniane, fico feliz que tenha gostado. E vc está certa quanto aos sentimentos... Desta vez, não foi possível disfarçar.
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