Ele entrou na sala de reportagem como
quem está fugindo da polícia. Ou como se fosse um policial correndo
atrás de um bandido. No caso, uma bandida.
– Onde ela está? Berrou, com o rosto
transtornado.
– Ela quem? Respondeu um coro de
vozes estupefatos.
– Ela quem? Ele devolveu a pergunta.
De fato, todos sabiam.
– Não veio hoje, disse um dos
cinegrafistas!
– Mentira, grunhiu ele!!
E era...Não adiantava tentar
acobertar.
Aqueles saltos quinze no porcelanato
tinham um som inconfundível e todos sabiam. Até poderia ser uma
outra mulher apressada para o trabalho, alguns ponderaram isso
mentalmente, caso o compasso urgente deste caminhar não tivesse
trazido consigo e derramado no ar aquele perfume marcante.
Não era só a métrica provocada pelos
saltos dela que denunciavam sua estada em um lugar. O que a delatava
era um conjunto de sons, cheiros, sabores e movimentos muito
peculiares.
Ninguém podia culpar aquele homem pelo
estado de loucura em que se encontrava. Seria um grande baque para
ele ser rejeitado por ela.
Acaso...Destino...Quem sabe?
O fato é que ele nunca entendeu porque
ele sempre foi o oficial de justiça escalado para intimá-la às
audiências de uma separação extremamente conturbada e que colocava
fim a um casamento de duas décadas.
Certa vez, em uma das muitas ocasiões
em que veio intimá-la, ao longe e apesar da aparente discrição,
foi possível ouvi-lo confessar:
– Rezo todos os dias para que este
litígio demore. Assim, posso vê-la muitas vezes.
Aquele comportamento era absolutamente
inadequado para um oficial de justiça. Por mais que ele tentasse ser
discreto, ele não era exatamente o tipo de homem que pudesse passar
despercebido. Branco, mais ou menos uns 90 quilos, um metro e noventa
de altura, olhos azuis. Poderia ter a mulher que quisesse. Mas ele a
quis. Aquela mulher que não queria pertencer a mais ninguém.
Ele não deu ouvidos aos gritos da sua
intuição e aquele encantamento inicial virou paixão e, depois,
doença, obsessão. Na vida daquela mulher de sorriso largo e olhos
tristes, como ele tantas vezes mencionou, apesar de seduzi-lo, não
abriria espaço para ninguém chegar.
Era comum ouvi-la dizer:
Estou que nem cachorro mordido de
cobra, corro de uma simples linguiça para evitar um outro ataque.
Outras vezes, falava sorrindo:
– Gato escaldado tem medo de água
fria. Tô bem como estou. Consigo ser feliz assim. Sou uma ótima
companhia para mim mesma. E soltava uma longa e sonora gargalhada
para depois completar: – Aquela que se acha.
Mas ela deveria ser mesmo uma boa
companhia para si mesma. Sempre foi muito bom estar ao seu lado. Nos
períodos de férias, todos reclamavam sua ausência. E o seu retorno
era recheado de histórias interessantes, de escaladas, mergulhos em
alto-mar, passeios de barco, expedições em caverna, trilhas com
centenas e centenas de quilômetros...
Tudo naquela mulher tinha um pulso
vital que nos contagiava. Amava cozinhar e receber amigos. Os mais
próximos diziam que seu hálito tinha um cheiro exótico de gengibre
e canela. Contraste muito interessante, diga-se de passagem, com
aqueles lisos cabelos negros e a pele sempre morena. Para dizer o
mínimo, era mulher que não passava incólume.
Enquanto todos absorviam a cena e
ouviam a vociferação do oficial, ela entrou na sala, olhou a todos
e sentenciou:
Houve um tempo em que dei um boi para
não participar de um barraco e quando entrava dava uma boiada pra
não sair, sorriu com sarcasmo, depois, virou-se por cima dos saltos,
olhou sobre os ombros e disse: acalme-se homem. Não preciso de
testemunhas, a não ser as que serão absolutamente necessárias.
Pare de estardalhaço. Não foi você mesmo que disse que não era um
pedido de amor? Que se tratava de uma intimação? Vim só pegar uma
caneta.
As mulheres suspiraram de alívio –
enfim ela foi fisgada, saiu da pista. Os homens deixaram escapar um
certo gemido que em um primeiro momento parecia ser de dor. No fundo,
todos se sentiram meio viúvos, meio divorciados. Afinal, ela rasgou
qualquer possibilidade, qualquer esperança. Estava amando novamente.
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