quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

"Autoestimada"

Por Patrícia Leite

foto: Priscila Leite


O vernissage estava sendo um sucesso para o artista e para os paqueradores profissionais de plantão. E Ela não entendia o porquê.

Todos bailavam suas efêmeras relações no amplo salão. Mas o que menos importava e o que menos era apreciado eram as peças expostas.

Os convidados exibiam e arrazoavam comentários elogiosos. Gentileza impregnada de champagne e falseado conhecimento do que é arte contemporânea. Mal sabem o que é arte, diga-se de passagem...Mas o ar e a entonação eram absolutamente convincentes.

O coquetel servido foi capaz de agradar os paladares mais exigentes. Certamente, para amansar a severidade da crítica diante de tamanha mediocridade artística. Mas Ele era um bem-nascido. Não sofria de mal de CEP (Código de Endereçamento Postal).

E, no fundo, sabia que o seu berço não permitiria que Ele não fosse amplamente badalado no caderno de cultura e nas colunas sociais. O sobrenome garantiria o estrondo positivo na mídia.

Críticos, jornalistas e a nata da sociedade brasiliense foram convidados a participar daquela exibição em separado e teciam e arrazoam avaliações sobre as obras expostas. 
Súbito, Ela sentiu-se incomodada com sua postura demasiadamente flâneur e pensou:

Baudelaire ficaria estarrecido se me flagrasse andando naquelas exposições, naquela cidade cinzenta, saltando entre as galerias da capital, a fim de experimentá-la sem seu marcante traço azul.

Cinza, esta era a cor do momento. No Céu, nas obras e na sua alma sensível, refletiu.

Mas o fato é que estava mesmo a flanar pelo foyer supostamente cultural e definitivamente pobre e desnudo de qualquer traço de qualidade técnica e inovadora. Ainda assim, passou desinteressadamente entre os convidados, fotógrafos e garçons, olhando quadros e vendo apenas pessoas emolduradas em suas ridículas carcaças sociais.

Muitos que ali estavam reservavam aqueles quadros e esculturas como reservavam todas as outras coisas desnecessárias em suas vidinhas. Coisas e compras que podiam ficar eternamente adiadas. Mas que eles consideravam “imprescindíveis” para serem aceitos. Nunca seriam.

Perambulou com sofisticada inteligência entre os emergentes a comprar as “imprescindíveis” obras, sorveu mais uma taça de champagne, se recostou no piano de calda, de onde um jazz bem tocado trazia uma nota verdadeira de arte ao local, e conclui com seus próprios botões: 

Estou aqui a me debruçar em uma frase para a abertura do texto, algo honesto e sincero e só consigo me concentrar em um átimo de pensamento que me morde há tempos.

Notou que o artista parara de propósito a seu lado. Virou-se em cima dos próprios calcanhares quando todos os flashes se voltaram para Ela e disse a si mesma:

Agora, sei por onde começar o texto da coluna desta semana.

E olhando por cima dos ombros, antes de sair lentamente para o frescor do dia, sem pronunciar palavra, escreveu em pensamento:

Sociedade efêmera e solitária, encare a minha ausência e não me necessite nesta sua engrenagem do acaso, do descaso e do caos da qual não sou peça, nem parte.





terça-feira, 4 de novembro de 2014

DÉJÀ VU

Por Patrícia Leite


Eu parecia, de alguma forma, já ter estado naquela atmosfera. 

Uma certa sensação de ausência de gravidade chegou a me tirar o equilíbrio e a razão.

Ao ver exibida aquela fotografia, na moderna moldura eletrônica, tudo o que passou a me envolver foi uma aura de lembrança, cheiros e sons muito familiares.

Nunca tinha estado ali, refleti em voz alta. Mas havia algo no som daquela voz que me fazia ter uma sensação de reencontro. 

E aquela forma de olhar...

Pensei na possibilidade de ser um caso típico de verosimilhança. Uma mistura do real e do imaginário. De recordações da infância, fantasia, sonho, projeção...

Resolvi relaxar e me deixar conduzir pelo instinto, pela intuição. Certamente, porque ando meio cansada da tal famosa precaução.

Tatear, escalar, descer e subir o [des]conhecido...Que mal teria? Afinal, não existe caminho seguro e talvez até seja esta insegurança que nos excite, nos incite e nos tire da zona de conforto para revelar algo novo e encantador.

Partir rumo ao desconhecido passava a ser uma possibilidade plausível. E o desconhecido, dialoguei com meus botões, pode muitas vezes não ser um lugar geográfico mapeado por outros. O desconhecido pode até não ser lugares virgens. Mas ser apenas a geografia do outro além de nós.

Decide deixar o vento me levar... E desde que o vento me leve para onde estão os meus sonhos, não me importo que ele seja feroz e que no caminho haja alguns ossos quebrados, hematomas e escoriações.

Levantar âncoras!! Desfazer amarras!!! Içar velas!! É Hora de começar a viagem...

Sim, a viagem começa no planejamento. O caminho é importante. Mas, muitas vezes, o destino é mais. 

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

CONTAGEM REGRESSIVA...TIC...TAC...TIC...TAC...

Por Patrícia Leite


Novamente, pedi tempo...



Para perdoar, para me recuperar dos fracassos, para aguardar os amores impossíveis e ele, que nem é o dono do tempo, me disse:

Tempo para a vida forjar uma têmpera resistente como diamante, em paz como um monge e cortante como navalha.

Retruquei...

Mas que a têmpera siga para além do metal forjado no resfriamento abrupto. Desejo mais...

Anseio que a têmpera seja uma pictórica da nossa vida multifacetada e que tenha pigmentos múltiplos.

Que a têmpera nos envolva, a tudo e a todos os que são pares, em uma massa aglutinante e ressignificada.

Para no fim...É o que espero...

Sejamos todos afrescos de gente que sabe seguir em frente a recobrir-se de camadas e camadas de verniz social, realçando o próprio brilho e os matizes daqueles que apreciam a transformação promovida pelo tempo.



Porque para enfrentar o tempo de espera é preciso coragem de dizer não em um pedaço de tempo. É preciso encarar o caminho, seus buracos e curvas derrapantes. É dar a cara a tapa...

Sim, tudo passa!!!

O tempo passa, o ruim do tempo passa, pessoas também passam. Gente fica para trás no tempo...Tem gente que vem com o tempo e tem gente que sobrevive ao tempo



O verdadeiro tempo de ser é o tempo que suplanta sagas.





quinta-feira, 30 de outubro de 2014

SOLITUDE

Por Patrícia Leite

As velas sequer panejavam. As nuvens estavam imóveis e a água era um espelho a refletir o pôr do sol. Enquanto o céu se enchia de vermelho... O silêncio se espalhava.

Por um breve espaço de tempo, foi possível ouvir o som da própria respiração. Mas esta era tão cadenciada e calma que, em dado momento, não mais foi possível ouvi-la.

O vento parou por completo. E ela, que sempre tinha o vento por companhia, se viu só. Apoitou-se naquele estado de ensimesmamento que não requer a presença de ninguémDeitou-se no cockpit do barco e simplesmente relaxou de suas pressas.

As obrigações estavam “aterradas”. As pessoas estavam muito longe dali. Mas ela pôde senti-las em seus lugares densamente ocupados de tarefas cotidianas. O corre-corre, o trânsito, o ritmo frenético.

Cenas da urbanidade contrastadas com sua paz interior formaram um turbilhão de frenesis que “catarsearam” obviedades e que puseram a correr em suas veias percepções múltiplas a jorrar vicissitudes.

Deu de ombros...Estava entregue...

E foi exatamente naquele estado de libertação psíquica que se deu conta de que sentimentos precisam de algo novo que os transforme. Tatear a solidão foi uma experiência prazerosa.

Deu-se conta de que estava no melhor momento da sua vida. Tinha absoluto controle da desconexão temporária das obrigações e necessidades mundanas como trabalhar, comer, dormir, vestir...

Encarnada no seu crescimento como indivíduo iniciou um processo de separação do físico e deixou o espírito vagar saudável. Revisitou-se. Esteve consigo por longo tempo e submergiu na pura alegria de viver suas muitas vidas e seus muitos personagens.

De fato, deu-se conta, que sem a força motriz e tolhida da escolha de ir ou ficar parada... Encontrou-se.

Se não tivesse sido forçada a estar sozinha durante um período não poderia jamais ela experienciar o enriquecedor prazer de se encontrar tranquilamente com seu processo de mudança e crescimento.

Uma lufada encheu repentinamente as velas e tudo começou a se mover novamente. Estava de volta a realidade. Mas despertou daquele estado de “transe” absolutamente modificada.

Com ou sem estímulos externos, por opção, faria aquilo mais vezes. Estava decidido. Dali em diante, pararia para um encontro íntimo consigo mesma com regular frequência. Era um prazer enorme estar em sua própria companhia. Havia visitado o seu próprio estrangeiro...


Sim, agora, ela estava pronta para estar com o outro além de si mesma e fazer entregas verdadeiras

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Verdades & Mentiras

Por Patrícia Leite

O amor que vivi – mesmo depois de comprovado que o outro nada sentia, que tudo nele era farsa, era apenas fingimento –, é absolutamente verdadeiro e sincero em tudo que em mim produziu de realidade.

Realidade? Mas o que é realidade?? Ao que tudo indica, realidade é apenas uma angulação. Um ponto de observação que pode ser visto com calma ou com pressa. E que pode sofrer distorções com o passar do tempo.

Para evitar atropelamentos e acidentes desnecessários, decidi seguir pela estrada da lentidão. Assim como uma folha que se move com a brisa e segue sem rumo ao sabor do vento, pousando e pausando aqui e ali.

Ando devagarinho porque tenho muito para ver e viver, porque amo detalhes... Ando devagarinho, porque em muitos momentos preciso de pausas, de compassos suspensos de pequenas ausências de ar: contratempos positivos da respiração.

Ando ofegante de alegria, em momentos repletos de êxtases, nos intervalos do corre-corre. E nesse semi-tempo de ir, vez por outra, apenas me sento sobre a areia ainda morna do dia para ver quebrar as ondas do mar. Sentir seu cheiro...

Perco a respiração, sem ser de cansaço, quando me deito sob as estrelas, nas noites de lua cheia e me lembro de que a única pressa que devo ter é a pressa de ser feliz. E esta pressa requer um certo caminhar "vagaroso" próprio de quem quer reter minúcias.

Na retina vou apreendendo apenas imagens que a máquina fotográfica não foi capaz de captar. Cenas que a memória precavida monta guarda para assegurar em um lugar especial dentro dos arquivos da lembrança.

Memórias, verdades e mentiras...

Há verdades singulares em mulheres que trazem na respiração uma vastidão de informações que foram inscritas, com o decorrer do tempo, em suas almas.

Suas verdades e suas vidas inspiram poemas , crônicas, músicas. Produz canto em gargantas despreparadas. Afinam vozes desafinadas. 

Sim, há mulheres que se perpetuam por transpirar  e transgredir alegrias inventadas. 

Há mulheres capazes de dar gargalhadas que transcendem o momento do riso frouxo para se eternizarem na prosa dos amigos. Mulheres que sabem rir das mentiras que lhe foram contadas e de suas vidas falseadas.


Há mulheres que descobriram que a distância e a diferença entre fatos, verdades e mentiras é marcada apenas por uma linha divisória muito tênue e que, por vezes, demarcam lados absolutamente opostos de uma mesma realidade temporal.

Há mulheres que perceberam que verdades e mentiras podem ser apenas uma visão embaçada do que parecia ser uma mesma história de vida compartilhada.

Há ainda mulheres que trazem nos olhos verdades que nasceram das mentiras de seus homens. E ainda assim são verdades.

Porque a verdade, no fim das contas, não está no gênero de quem a vive. A verdade é o sentimento que foi produzido em nós diante da nossa própria crença de que tudo era verdadeiro.

Portanto, há também por aí homens que vivem explorando verdades falsificadas. No fundo, entre verdades e mentiras, há pelas estradas pessoas produzindo sonhos piratas para si e para o outro. Não por maldade, creio eu. Mas por acreditarem ser possível transformar o irreal em algo de que sejamos parte.




quarta-feira, 21 de maio de 2014

#LUIZ


Por Patrícia Leite
[21 de maio de 2014]



Os ponteiros estavam na vertical, o relógio marcava 6 da matina, o frio era intenso naquele começo de dia. A noite havia sido muito longa, de dor e de espera.

Enquanto se dirigia para a sala de cirurgia, aquela menina vertia dos olhos um misto de ansiedade e medo.

Olhou por cima dos ombros. Uma pequena claridade visível no céu anunciava a aurora e o presente que ela traria consigo. Um quarto de hora depois, lá estava... O princípio de uma nova vida.

Seus pequenos olhos castanhos se abriram no mesmo instante em que seus pulmões se encheram de ar.

Aquele pequenino ser lançou um longo e demorado olhar para a janela de onde se podia ver o céu repleto de matizes de rubro, laranja e amarelo e sorriu.

Num raio de tempo, aquela menina se viu mulher. Foi impossível não pensar nos símbolos ali inscritos. E foi com ele em seus braços que pensou nos sonhos ressignificados.

Na mitologia romana, Aurora é o nome da deusa do amanhecer, mas Aurora também representa um fenômeno que ilumina o céu com cores que variam entre o cor-de-rosa e o laranja. Um espetáculo da natureza trazia para os seus braços um parceiro de todas as horas.

Sem tirar os olhos dele disse: Seu nome não é fruto do acaso.

Sim. Luiz, de fato, é como a luz que surge na transição da noite para o dia. Ele é o instante que nos ofusca, é a expansão da claridade que abre passagem para o despertar de um amanhã.

Ele é o próprio filho da aurora. Meu crepúsculo matinal...razão da minha existência. Ainda hoje Luiz carrega aquele mesmo olhar profundo, compreensivo e repleto de amor.

Sim, meu amor, você modificou para sempre a minha visão de mundo, deu razão para a minha existência, me preparou para as lutas que viriam e me ajudou a vencer cada uma de minhas guerras.

Para compor teu nome escolhi Philipe. Nome que tem origem no nome grego Phílippos, formado pela junção das palavras phílos, que significa "amigo" e híppos que quer dizer "cavalo", e significa “amigo dos cavalos”. Por extensão também é atribuído o significado de “o que ama a guerra”.

Sim filho, você é um homem de paz. Mas, com certeza, não foge a luta. Obrigada por ser este ser maravilhoso na minha vida!!

Feliz aniversário!!







quinta-feira, 15 de maio de 2014

Sob a luz do luar

Por Patrícia Leite




                                          Fotografia: André Meireles Abreu


A lua estava redonda, cheia. Estavam cheias a lua e ela. Ela cheia de gente chata e a lua cheia repleta de admiradores e suspiros. Contrastes...

A música que vinha do Bistrô enchia o ambiente de aconchego e derramava um clima de romance no ar. Os casais de beijavam e fotografavam a prateada bola de luz que pululava na escuridão do céu.

Mas ela não estava para climas de romance. E para ela a noite havia chegado ao fim. Detestava abordagens ostensivas.

Sem o menor pudor, ele encarou-a novamente nos olhos e sustentou o olhar, ergueu uma das sobrancelhas, ofereceu um sorriso e ergueu um brinde. Ela, mais uma vez, ignorou.

Bebeu uma última taça de champagne com as amigas e perguntou:

Como me livro deste chato? Fizeram uma enquete entre os amigos e riram muito das respostas que variaram do bica de uma vez o sujeito ao dá uma chance pra ele...

Ele tá vindo pra cá, disse uma delas.

Finge que não tá vendo, disse a outra.

Vou embora! Depois acerto minha parte com vocês, ok?

Ok, exclamaram em uníssono!!

Andava lentamente até o carro quando sentiu aquela mão impedi-la de dar mais um passo.

Não vá!! – Fique mais um pouco!! Falou aquela voz grave, do alto dos seus quase 2 metros.

Um metro e meio de puro atrevimento e valentia indígena deu-lhe, com uma voz um tanto mais alta que o normal, uma ordem:

Por favor, solte meu braço!!

Ele soltou, não sem antes depositar um pedaço de papel em suas mãos. Olhou-a com aqueles enormes olhos azuis e disse: “só quero a chance de te conhecer melhor.”


Mais uma vez ela o ignorou. Entrou no carro, ligou o som, mergulhou na melodiosa voz de Nina Simone e desceu a rua. No banco do carona a bolsa, um número de telefone e um poema escrito em um pedaço de guardanapo.

Por alguma razão que não soube explicar, olhou pelo retrovisor e lá estavam aqueles olhos azuis, a lua, a poesia de um momento e uma promessa velada.



quinta-feira, 8 de maio de 2014

TECIDOS ESGARÇADOS


Por Patrícia Leite



Sentou-se no terraço daquele antigo hotel e logo suas narinas se impregnaram de maresia. A noite estava calma e um caco de lua se deixou ver.

Prateada apareceu a lua timidamente naquela noite de outono...Mostrou-se, mesmo que pouco, porque foi encorajada pelos cumulus ninbus que bailavam a sua volta. Embriagada de memórias, ela, a lua, cobriu sua nudez e sua vergonha num retalho de nuvens e veio render homenagens aquela  mulher.

Não fosse pelas duas ou três taças de vinho e por estar a observar a suposta timidez da lua, ela talvez não tivesse se lembrado das promessas que trocara na última vez em que ela, a lua, esteve cheia.

Estava envolta em suas lembranças quando uma brisa leve pois seus cabelos em desalinho, arrepiou-lhe o corpo e assanhou seus pensamentos. Seria possível cozer sentimentos esgarçados ????

Dias antes, tendo apenas os astros por testemunha, ele declarou seu amor por ela e partiu sem olhar pra trás. Abriu mão do que sentia por ela e foi descosturando aquele pano especial que os envolvia e os aquecia.

Eles tropeçaram uma vida inteira na barra de suas próprias desventuras...Fizeram casas, e vincos a partir de seus equívocos. Alinhavaram histórias sem sentido. E agora que aprenderam a tecer juntos um pano capaz de transgredir o tempo...abandonaram a linha.

Com medo de dar um ponto, de arrematar com nó, eles se largaram no palheiro da vida. E a agulha que vinha pouco a pouco cozendo a alegria entre eles desapareceu. Arrastado pelas pedras do caminho o tecido puiu, desfiou...furou, esgarçou, rasgou.

Era possível ainda particionar o que restou do pano, bordar, juntar os pedaços e artesanalmente unir novamente aquela matéria prima e com sabedoria fazer uma colcha dos retalhos??
Sim...Porque pouco a pouco descobriram que separados eles eram apenas pedaços, mas juntos eles são a verdadeira arte. Tecido produzido somente pela máquina do amor. 

É DINGUE





O Campeonato Brasileiro de Dingue 2014 foi uma experiência realmente gratificante para estreantes e veteranos. 75 barcos na raia. Emoção até o último segundo. Foi de uma beleza ímpar ver de perto uma classe que consegue reunir um número tão expressivo de barcos na água.
Naquele último dia de regata, o mar transformou-se em um berço singular a acolheu no seu balanço tantos veleirinhos. Estávamos todos em uma raia olímpica, e isso por si só já causava um impacto muito forte. Mas, ainda assim e apesar da ansiedade, tudo era acolhimento e aconchego. O vento foi realmente generoso. Nem tão forte... Nem tão fraco... Apropriado.
Hora da largada. Último dia, última chance de subir algumas posições, derradeiro segundo de buscar o primeiro lugar. O coração acelerado e o farfalhar das velas panejantes davam o tom do dia. Todos, sob um céu azul, de um ensolarado domingão, 4 de maio, esperavam que a CR subisse a bandeira da classe, tocasse a buzina e começasse a oitava e última regata do campeonato.
Cronômetros nas mãos, ouvidos atentos ao disparo sonoro...Barcos correndo a linha... Sangue nos olhos, faca nos dentes, vontade de vencer. Duas largadas queimadas. Foi preciso uma terceira.
A flotilha largou subindo no contravento e todos, por razões óbvias, queriam chegar primeiro na montagem de boia de entrada para o popa. E foi com muita festa na água que – pela primeira vez na história do Brasileiro de Dingue –, que ouvimos os gritos de comemoração porque não foi um velejador que cruzou em primeiro a linha de chegada. Uma dupla feminina venceu o campeonato.
Enquanto a festa das campeãs começava... O segundo lugar dos estreantes parecia escapar das mãos da dupla Patrícia Leite e Luiz Prado que corriam pelo Cota Mil. Brigitte, o barco que carregava o número 4888 e seus tripulantes em segundo lugar, durante todo campeonato, talvez não terminasse a regata. Na montagem da última boia eles foram abalroados e o leme se partiu de uma forma que praticamente impossibilitava a navegabilidade.
Poucas cambadas, um constante trimar de vela, o uso do corpo para orçar ou arribar o barco, foco, paciência, firmeza e determinação...A linha de chegada parecia não ser alcançada nunca, o terceiro lugar estava prestes a ultrapassar Patrícia e Prado, mas o Deus dos ventos reconheceu o esforço dos velejadores do Cota e resolveu que daria um empurrãozinho. Éolo mandou uma rajada que impulsionou o Brigitte.  Nada de extraordinário. O suficiente para cruzar a linha de chegada. Para voltar para o Iate Clube do Rio de Janeiro foi necessário chamar um reboque. Ainda assim, a alegria tomou conta da tripulação. A questão do leme resolveriam depois. Era hora de celebrar.
Enfim, o que foi o campeonato de Dingue 2014? Foi um grande velejar...Seguir ao sabor do vento...Trocar experiências... O que ficou claro, sem sombra de dúvidas é que neste campeonato sobrou emoção para o primeiro lugar, para o segundo, para o último.
Mas o mais importante e o mais belo não foram os resultados finais, foi ver a garra dos tripulantes de uma flotilha que só cresce e que em 2 de novembro de 2015, em Maria Farinha (PE), quer colocar na água 100 barcos. E vamos colocar.
Que os bons ventos nos esperem... Até lá meus queridos amigos dingueiros de todo Brasil.

segunda-feira, 28 de abril de 2014

VOZES DO SILÊNCIO

Por Patrícia Leite




Por que não fiquei calada? Falas brutas ou edições? O que publicizar ou não? Perguntas que me rondam e me inquietam sempre e que hoje acabei por deixá-las escorrer para fora da boca. Pronto...Estava aceso o estopim.

Faltou filtro, mais uma vez, pensei!! Iniciou-se uma grande discussão acerca de como o silêncio pode dizer muito mais que as palavras. E não é uma questão de ser polido, ser politicamente correto ou passar demão sobre demão de verniz social.

Quando compreendemos que não há o que possa ser feito contra a agressividade contida na imutabilidade avassaladora da verborragia desnecessária é melhor cerrar os lábios e mudar de atitude.

Neste momento, ouça, olhe com doçura e compreensão para o seu interlocutor, meneie a cabeça e permaneça em silêncio... Eu me dizia.

E foi lá, onde a vozes se calaram, que encontrei as respostas certas. Nos conselhos que partiram das vozes do silêncio...

Não há dúvida, refleti interiormente, que as palavras reverberam e se movem e têm força. Mas elas também não se estendem em nenhuma superfície, ponderei. Elas não se instalam, não proporcionam morada definitiva em ninguém.

As palavras andam, correm e podem causar estragos. Pondere, me ordenei! As palavras erradas machucam. Já o silêncio...Estas pequenas pausas na sonoridade podem promover reflexão, abrandar corações aflitos e passear na adversidade sem causar transtornos.

Em benefício da verdade, a calmaria aparente que o silêncio traz consigo pode provocar no primeiro momento e deixar tudo revolto. Mas é no silêncio que reside a paz e está a verdadeira arte da guerra. Porque é no silêncio que encontramos nossas vitórias.

Conclui, por fim, depois do tumultuado debate interno, que o silêncio crava no outro o que palavra nenhuma é capaz de fazer.


Interpretar o silêncio não é realmente tarefa das mais fáceis... Mas é exercitando que podemos alongar as pequenas pausas e promovê-las a silêncios reveladores.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

ESPAÇOS & VAZIOS

Por Patrícia Leite



Amou com tanta intensidade que achou que seria absorvida, tragada para dentro de si. Podia sentir ainda o calor do corpo amado deitado ao seu lado.

Os lençóis, o travesseiro, o quarto e seu corpo ainda guardavam o cheiro deles. E foi com um certo receio que abriu lentamente os olhos para certificar-se se aquilo tudo estava acontecendo realmente.

Constatou o óbvio. Não estavam mais juntos, ela sabia. E ele estava a centenas de quilômetros. Tudo não passou de um sonho. Todavia, o momento parecia tão real.

Levantou da cama com o coração ainda disparado e a respiração ofegante, bebeu água e ficou por um tempo – que não soube depois quantificar quanto –, envolvida naquelas lembranças...

O sono demorou a voltar e os pensamentos dançavam prelúdios de um tempo que estava por vir. Relembrou promessas e fez exercícios mentais dos lugares que visitariam juntos.

Deixou o pensamento bailar e antecipar a tão desejada liberdade. Teriam uma vida calma...

Nadariam nus em mares azuis e se aqueceriam em fogueiras noturnas, acesas em praias desertas, de algum paraíso tropical.

Ela dançaria para ele sob a chuva, tendo apenas como veste os longos cabelos negros... Sonhar, dizia ele, é sempre o primeiro passo para um desfecho real, relembrou ela.

Mas, apesar dos sonhos e da imensidade da extensão dos sentimentos que os uniam, mesmo que distantes, a ausência dele provocava vazios. E aquele vácuo era um sentimento angustiante.

Ela precisava manter ocupado aquele espaço vital. Mas toda aquela ausência dava a ela uma sensação de quase morte. O que fazer diante daquela privação, daquela ausência, e daquela dor lacerante que jorrava da saudade?

Ela não sabia o que fazer diante da extensão indefinida do tempo de estar juntos, e este intervalo entre o momento da ausência e o ponto da presença impõe grandes espaços de tempo...Provoca silêncios ensurdecedores...Abismos...vazios...

Sem ele seu espírito é apenas um corpo que cai livremente na calçada desta selva de pedra imposta pela urbanidade e pelas leis do consumo das interações ocas.

Sim, concluiu que esperaria o retorno do preenchimento dos espaços vagos porque concluiu que suas almas afins são o verdeiro território de estar.

O sono toldou-lhe os pensamentos...Mas, antes que ela voltasse a adormecer, uma brisa, breve, fugaz, soprou-lhe um conselho ao pé do ouvido...

Sem ser você e ele, sem dar verdeiro sentido ao que é ser “nós”... Este conjunto que vocês formam deixa de ser laço… E tudo passa a ser vão, fútil, frívolo: rituais vazios.





segunda-feira, 21 de abril de 2014

LUA DE SANGUE

Por Patrícia Leite
[Em 13 de abril de 2014]




O vento não passava de dez nós. Mas a vela de seus sentimentos estava preparada para encarar a ferocidade de uma enorme tempestade tropical. Sentia-se cansada. E naquela noite, permitiu-se relaxar. Afrouxou os cabos de sua emoção e se deixou levar ao sabor do vento.

Ao longe, ouviu o som de tambores modernos...Por um instante, tentou ignorar. Não conseguiu. Era ele. Ainda bem que não ignorou o chamado!

Ela havia passado o dia velejando e ouvindo os conselhos de Nora Jones e não soube dizer se o turbilhão que emaranhava seus pensamentos vinha desses conselhos ou se ela já estava sobre os efeitos do eclipse lunar.

O fato é que se permitiu, naquela madrugada, a bordo do Netuno, ficar olhando para aquele imenso satélite que prateava as águas abrigadas de seu descanso e que roubava de suas lembranças pinceladas de sonhos para desenhar uma nova tela com rostos e corpos a fazer amor.

Realidade fantástica, concluiu sem externar o pensamento.

Naquele instante, pensou ter visto o próprio Éolo soprando rajadas sobre as águas e trazendo consigo, na força de sua respiração, o sopro vívido das palavras tão esperadas. Eles estavam prometidos um ao outro. Ela sabia. Ele sabia. Teimosos queriam se deixar ser guiados apenas pelos falhos equipamentos da razão. Mas ambos são pura emoção...

Um sábio Espírito velho já os havia alertado que não haveria distância que não fosse percorrida por eles. Que o amor que os unia vida-a pós-vida superaria coisas das quais pensaram um dia ser insuperáveis.

Mas foi ao ver o Deus dos ventos trazer notícias do lado de lá que ela se lembrou do último aviso xamânico que recebeu: “Quanto mais correrem...Mais se jogarão nos braços um do outro. A distância trará a consciência do quanto precisam estar perto.”

E foi na mítica deste momento que a lua cheia foi lentamente sendo encoberta, sendo tingida de vermelho. A lua ficou ruborizada. Os incrédulos chamaram de eclipse lunar o fenômeno simbólico provocado pelos deuses. Mas o satélite estava consciente de que estava presenciando um reencontro há muito esperado.

Ela ficou estática, olhando para o céu, observando seus ancestrais apagarem lentamente o brilho da lua e aumentarem no mesmo ritmo a incidência do brilho do pôr-do-sol que escoava pela atmosfera terrestre.

Ele finalmente disse que a amava... Não fosse seu sangue indígena a paixão daquele momento teria lhe toldado a visão da realidade para sempre. Pensou em largar tudo e ir de encontro ao seu destino. Mas prometeu esperar porque sabe que quando ele vier será para sempre. E deste ritual de amor sobrou um registro no céu que a humanidade batizou de LUA DE SANGUE.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

#ZIP: Nem Barbie, nem Penélope, nem Radical Chic

Por Patricia Leite



De repente, percebeu que se transformou no avesso do que lhe moldaram para ser. Mas, apesar de disfarçar muito bem, aquele espécime era a típica mulher contemporânea, com seus conflitos, dilemas e novos papéis.

Definitivamente, ELA não era e não é o modelito Barbie, vestidinha de rosa. Tampouco a Penélope Charmosa. ELA está longe de ser a garota Mimimi... Ao contrário... ELA despeja, por onde passa, claros sinais de alteridade, misturados ao aroma de perfumes caros.

Sim, ELA deixa rastros e claros códigos do sucesso que alcançou. Anda sobre grifes de salto 15 e roupas exclusivas. Mas compra uma ou outra peça em uma feira de moda ou loja de departamento... e sente-se confortavelmente em contato com suas raízes.

ELA detesta shopping e a agitação dos grandes centros. Todavia, quem a conhece pouco logo pensa: excentricidades da Radical Chic. […] Mas este pensamento é um grande erro na leitura do código de barras que a identifica.
Quem a conhece de verdade então diz: Não, ELA não é assim!!

ELA é […] e tentam descrevê-la. Bom...hãmmm... A pouca estatura lhe confere um contraponto da personalidade que exibe, sem falsa modéstia. ELA é um gigante escondido em uma versão compacta de mulher. Sabe que para constituir uma individualidade é necessário um coletivo e tem consciência de que todo e qualquer ser social interage e interdepende do outro.

Mas para resolver este abismo entre o que ELA é e o que precisa que pensem dela, ELA inventou um personagem, empenhou-se em desempenhar o papel com primor. Merece o Oscar de melhor atriz pela brilhante atuação. Uma protagonista que assina o roteiro e dirige o próprio filme.

[…] Mas, ainda assim, ELA não se orgulha da independência que conquistou.

Não que ELA seja uma farsa. Longe disso. Mas precisou de um disfarce para sobrevir as exigências impostas pela hipócrita sociedade da inclusão e do consumo.

ELA é uma mulher zipada. Mas que não vê a hora de “descompactar” seus arquivos secretos e seguir seu verdadeiro destino.

ELA é ZIP...
ELA sou eu...
ELA é você...
ELA “é” nós...
ELA nos representa!!!

Você deveria conhecer esta mulher. Mas a escolha é sua.