Por Patrícia Leite
Passava das 23
horas...
Naquele sábado, de um interminável mês de agosto, ela
estava com o demônio no corpo e não tinha a menor intenção de
exorcizá-lo. Ao contrário... Faria todos os rituais satânicos para
evocá-lo e ainda rodopiaria com ele o salão, num baile frenético e
sem cerimônias de apaziguamento.
Não que ela fosse
uma anticristã. De modo algum. Era até muito católica. Ia a igreja
todos os fins de semana. Mas o lado negro da força, com a
proximidade da meia-noite, estava vencendo a batalha entre o seu lado bom e o seu lado mal.
Com aquela enorme
lua cheia por testemunha, ela sorveu da taça mais um gole cor de
sangue e o rubor, de mesmo tom, tingiu-lhe a face. Sem dúvidas o
vinho já tinha alterado os ânimos dela. E ele, o cavalheiro sentado
a sua frente, também estava visivelmente agitado, como quem está a
pressentir o que estava por vir.
Ele, numa tentativa
de autocontrole, rodava lentamente o gelo, da sua quarta dose de
Royal Salute, com os dedos. O garçom que, diga-se de
passagem, o servia há anos, também achou estranho que ele estivesse
tomando seu wisky favorito com gelo, principalmente o daquela garrafa
de safra tão especial e que só era solicitada em comemorações
importantes.
Prussi
parecia distraído […], e ao mesmo tempo receoso, quando
lançou um olhar no movimento dos quadris da moça que passava ao
lado de sua mesa.
O relógio antigo de parede girava lentamente os ponteiros até se
unirem para bater doze badaladas.
De
repente... Ana levantou-se
de supetão. Ela não teve dúvidas quando colocou o dedo em riste,
diante daquele homem de quase dois metros de altura, e disse alto,
claro e em bom som, no meio do restaurante:
– Vocês ficam
mortos depois da "batalha", não é mesmo, Prussi?
E fez aspas com os dedos quando pronunciou batalha. Na boa, passou da
hora de eu te dizer umas verdades. Sexo bom é quando o homem segura
o próprio tesão e primeiro vai dar prazer a mulher. Porque mulher
sabe retribuir, depois de satisfeita o seu homem e vocês têm muito
o que aprender com a gente. Ha..há...há...sorriu com escárnio,
olhando o traseiro da outra. Você não pode ver
um rabo de saia passar que logo arranja um jeito de fazer o seu
número de telefone chegar até ele, “O RABO”.
Mas, queridinho,
deixa eu te contar uma coisa...Você é péssimo de cama, por isso
não para com ninguém. E por isso que você foi corno da própria
mulher, da mãe dos seus filhos. Outro segredo... Eu, a sua mais nova
e suposta amante, fingi gozar todas as vezes e você nem notou.
Porque que ainda estou com você?? Porque você é culto e eu gosto
mesmo é da sua inteligência. Trepar com suas ideias me fazem gozar.
Supus que eu pudesse ensiná-lo o resto.
[…] Todos se
viraram na cadeira para olhar, inclusive eu.
– Ana,
por favor, todos estão olhando, falou entre dentes.
– Você está
preocupado com o que exatamente?? Sua carreira?? Seus amigos?? Ou não
conseguir aprender a trepar??
Ele era o próprio
representante direto do sistema “PRUSSIANO”,
do século XVIII. Militar de alta patente, acostumado a atingir
rapidamente seus objetivos e gerar uma massa de pessoas obedientes e
competitivas, com disposição para guerrear. Seus sentimentos eram
igualmente prisioneiros do sistema. E foram adestrados em escolas
machistas.
Seus afetos viviam
em presídios sujos e inadequados, com seus portões, grades e muros;
com horários estipulados de entrada e de saída, fardamento
obrigatório, intervalos e sirenes indicando o início e o fim dos
horários de entrega.
Ele nunca ficava com
ninguém tempo suficiente para se apaixonar. Mas, no fundo, sabia que
havia sido fisgado. E por mais que tentasse usar suas habilidades de
predador e por mais que o sentimento de poder fosse enebriante, ele
sabia que tudo isso era inútil no âmbito doméstico.
Quando ela saía do
sério, todos sabiam, e refletia pública e apaixonadamente as
verdadeiras estruturas políticas ditatoriais a que ele tanto estava
acostumado, era fácil perceber o frio que lhe corria a barriga e o chão que lhe faltava . Ela o adestrava na arte de amar e o punia
publicamente quando ele falhava.
Sua metodologia
educacional era cruel e coerciva e não levava em consideração a
natureza da aprendizagem, a liberdade de escolha ou a importância do
amor. Tampouco as relações humanas no desenvolvimento individual e
coletivo. Assim, e visto de perto, fracassados somos todos os que
compactuamos direta ou indiretamente com esta verdadeira máquina de
subjugar inocentes, pensei.
E aqui estamos
agora, com este problema enorme nas mãos...
Prussi
podia ter acesso, talvez com a mesma facilidade que a mestre,
aos conhecimentos, às ideias e às informações que estavam sendo
tratadas naquela escola de relações. Mas essas escolas tornaram-se
também as primeiras burocracias seculares da tecnocracia.
Verdadeiras estruturas para legitimar algumas partes do fluxo. Grosso
modo, uma escola-meio que pretende apenas governar o outro para além
de si, usá-lo e descartá-lo.
Mas a sua
demonstração de inflexibilidade, rigidez “moral” e perseverança
de princípios não o permitiria escapar ileso do rigor prussiano
daquela mulher e, no fundo, ele sabia que não sairia inteiro daquela
batalha. Ela definitivamente dominava a arte da guerra. E para ser
cruel usava sua beleza e seu charme para seduzi-lo e encarcerá-lo
cada vez mais. Desta vez, ao que tudo indicava, por livre e
espontânea vontade, ele iria se render. Porque sem ela, sabia que
seria apenas um sujeito pardo e macambuzio.
– Se jogue, então
Prussi! O que pode te acontecer de ruim?
– As mulheres
acham que dor é um privilégio feminino. Os homens não sentem nada,
não é Ana?
– Não acho isso, não! Mas evitar quedas nunca me impediu de cair e de sangrar muito. Nem vai impedir você.
– Ana,
pare!! Hoje, sou apenas eu, com apenas você, sem caixinhas, sem
divisões. Eu e você e esse seu jeito de me olhar... E só. Mulher,
agora só existe nós porque há em mim uma vontade enorme de deixar
o passado no passado e ser feliz. Vou ser com você a partir do que
sinto e do que você sente no contato comigo, falou quase berrando.
E, aliás, que papo é esse que nunca gozou comigo?? Está de
sacanagem?
Jogou algumas notas
em cima da mesa para pagar a conta, olhou sobre os ombros, agarrou-a pelo braço, sorriu
sonoramente e disse:
– Ana, vamos para
casa!? Hoje, quero ver você “fingir” tesão a noite toda e gritar
que morre de prazer comigo. Rsrsrs...