terça-feira, 1 de novembro de 2016

Cordilheira dos sentidos

Por Patrícia Leite




Dizem que cachorro velho não aprende truque novo.  Isto é uma inverdade, descobri com alegria. Com coragem e boa vontade... Despir-se de velhos hábitos pode trazer não só a prazerosa experiência do novo como pode oportunizar uma releitura do velho.

E foi com esse pensamento em mente que deixei o carro estacionado em casa e peguei pela primeira vez sozinha o metrô da cidade. Já tinha rodado boa parte da Europa de metrô com a família. Mas sozinha...

Determinada a deixar a mordomia para trás, coloquei minha mochila nas costas, um 'naco' de temor da violência urbana na alma e uma dose dupla 'on the rocks' de euforia, debaixo de um sol escaldante e 'zarpei'.

Rumo ao desconhecido aí vou eu, dialoguei internamente. O que tenho a perder?? Destino final, em princípio, Parque Estadual da Serra dos Pireneus, cerca de 140 quilômetros de Brasília.

A aventura começou com a decisão de deixar o carro em casa. Mas esta parte da história eu conto um outro dia.
Central metropolitana era a minha "estação de baldeação" (risos). A minha espera, de carro, estariam os parceiros do Trilhas Pelo Mundo. Fernando e Lorena partiriam comigo, daquele ponto, para mais uma aventura.

Primeiro desafio do dia seria chegar, antes do pôr do sol, no Pico dos Pirineus. Um encontro especial com o cerrado rupestre de altitude e suas formações rochosas.

Chovia fino e ventava muito quando chegamos ao cume, na capelinha da Santíssima Trindade. Não vou mentir, nem omitir, deitei no chão sobre as pedras e primeiro sorri, depois chorei e depois voltei a sorrir quando a chuva deu lugar ao avermelhado pôr do sol.

Era uma visão, para dizer o mínimo, monumental.

Fiz uma oração silenciosa, do alto dos 1.385 metros de altitude, ponto mais alto da região e agradeci ao arquiteto do universo pelo presente.

No ar o delicioso buquê de terra molhada impregnava os sentidos...

Os pingos da recente chuva ainda deslizavam languidamente pelas folhas e flores, como se a lamber vagarosamente a poeira da seca, sem pressa para devolver ao Parque o seu brilho original.
Sim, o relógio daquele lugar badala mais lentamente. Apressados só nós que deveríamos descer para o local do acampamento - um tanto quanto distante dali-, antes do escurecer. Sucumbimos. E ficamos no tempo preguiçoso proposto por aquele cerrado.
Descemos, sem correr...A noite já deitava sobre nós as primeiras estrelas. E, ao longe, as casas já pontilhavam suas luzes.
Nossas barracas acabaram por ser montadas com a ajuda das lanternas, muita prosa, um exército de formigas e de um ou outro relâmpago que prometia chuva para madrugada. No cardápio noturno, um 'arrisotado' de frango, com salada e água de coco pra mestre cuca nenhum botar defeito.

Segura o riso, moçada... Eu fui a cozinheira...E vocês sabem que a fome é o melhor tempero. E eu sou uma cozinheira esperta. Deixei que eles ficassem morrendo de fome, antes de servir. Risos...

Depois do jantar, fomos deitar ao som dos grilos, da risada e da conversa alta dos escaladores de rochas e de uma coletânea de MPB pra ninguém botar defeito.

Adormecemos...

Fernando seria o primeiro de nós a levantar para correr 48 quilômetros até a cidade de Pirenópolis - GO. Um 'treinamentinho básico' para corrida de 226 quilômetros que ele vai encarar, no início de dezembro, pelas praias do Rio Grande do Sul até o Paraguai. Sim, ele é louco, mas qual de nós não é? Risos...

Lorena e eu ficamos responsáveis pela parte do ócio criativo, além de desmontar o acampamento, é claro!
Para finalizar o fim de semana, que ninguém é de ferro, fomos de carro pegar Fernando no final da corrida, em frente a linda igreja matriz de Piri. Uma parada para uma comidinha caseira em um pitoresco restaurante da cidade e um revitalizador mergulho nas águas correntes da cachoeira Meia Lua fecharam a programação.

Com o toque suave do vento na pele e um arrepio de alegria... Me despedi baixinho do rio, ao deixar seu leito. Era hora de partir...

Baterias recarregadas. Pegamos a estrada de volta, tagarelando felizes sobre os planos para a próxima aventura do Trilhas Pelo Mundo. E como não podia deixar de ser...Discutimos sobre as grandes questões que envolvem as energias metafísicas e as interações humanas.

Papo cabeça, de quem está com o corpo em paz, vibrando na mesma sintonia das energias das matas, das águas e porque não dizer...Do universo.