sexta-feira, 8 de março de 2019

AS ROSAS SÃO AZUIS


Por Patrícia Leite


Quando se fala em mulher os mais desavisados logo pensam em maquiagem, moda e mil outras caixinhas que remetam a futilidades. Engraçado é que essa fina capa de verniz social que envolve saltos 15, brincos, pulseiras e batons vivem a correr de um lado para outro para resolver as demandas de suas várias personagens: filha, irmã, mãe, esposa, profissional – mulher.


Não podemos negar que o suposto “sexo frágil” foi talhado para ser ROSAS. Mas são, cada vez mais, AZUIS – e me permitam “zombar” ao cunhar essa expressão “nesse barro cultural”, de divisão de gêneros, onde também fomos modeladas.


Sim, as mulheres hoje são presidentes, ministras, engenheiras, açougueiras, mecânicas, comerciárias…


As ROSAS são AZUIS!!


E quem viu o destemor da vendedora Leiliane Rafael da Silva (28), arrancando, com as mesmas “delicadas” mãos que acariciam e acolhem seus três pequenos filhos, todo aquele metal da fuselagem do caminhão que se chocou com o helicóptero, em que estava o jornalista Ricardo Boechat, como se toda aquela ferragem fosse um pedaço de papel, sabe do que estou falando.


Leiliane não se furtou em socorrer, não pensou na própria luta que vem travando contra a morte. Portadora de uma doença rara, uma anormalidade vascular que atinge principalmente o cérebro e requer repouso, pouco esforço e menos estresse, não foi impedimento para ela. Ela não vacilou.


Sim, mulheres como ela não cruzam os braços na hora H. A história fala por si. Em 8 de março de 1857, há 162 anos, para ser exata, operárias têxteis de uma fábrica de Nova Iorque, entraram em greve para reivindicarem a redução da jornada de mais de 16 horas diárias de trabalho para dez.


Mas não era somente a extensa jornada que era cruel. As diferenças eram aterradoras. Elas recebiam menos de um terço do salário dos homens.


Não, não é preciso destacar que elas continuaram por décadas recebendo menos que os homens no desempenho das mesmas funções.


Em 1908, cerca de 15 mil mulheres foram as ruas novaiorquinas novamente. Naquele período, voltaram com o slogan PÃO e ROSAS. O pão simbolizava a estabilidade econômica e as rosas uma melhor qualidade de vida.


Sim, elas reivindicaram o mesmo que as operárias de 1857. Mas foi somente em 1910, na Dinamarca, em uma conferência internacional de mulheres, que ficou decidido: era preciso homenagear àquelas mulheres. O 8 de Março passaria a ser a data comemorativa do Dia Internacional da Mulher.


Muitos dirão que o dia da mulher é todo dia. E é! Mas somos seres simbólicos. Por isso, precisamos lembrar e comemorar o esforço daquelas 130 mulheres que morreram queimadas buscando mais qualidade de vida no trabalho (QVT), mais dignidade e salários mais justos.


Elas iniciaram uma luta para diminuir o abismo das diferenças salariais. É verdade que as mulheres ainda têm um longo caminho a percorrer para obter o mesmo reconhecimento que os homens. A diferença salarial ainda hoje é superior a 50%, em favor deles. Mas também é verdade que somos, cada dia mais, um mar de Leilianes fazendo a diferença e isso é razão mais do que suficiente para comemorar O 8 de março.


Feliz dia Internacional da Mulher!

sexta-feira, 1 de março de 2019

SOBRE OS ESCOMBROS


Por Patrícia Leite
1/03/2019





Era véspera do meu aniversário. Por hábito, fiz aquela velha faxina nas minhas casas – a que moro e as que permito que morem- . Só os meus amores moram em mim, penetram em minhas grutas, em minhas entranhas.






O Pensamento andou em círculos. Minhas grutas... Tenho tantas: secas, úmidas e absurdamente molhadas. Tenho rios e cachoeiras em mim.

Por definição, caverna, gruta ou furna é toda cavidade natural rochosa com dimensões que permitam acesso a seres humanos.






Em alguns casos, essas cavidades também podem ser chamadas de tocas, lapas ou abismos.

Num rápido giro etimológico mentallembrei que caverna exibe como raiz espeleopalavra derivada do latim – spelaeum-, de onde, diga-se de passagem, também tem raiz a palavra espelunca.

Detive-me por longo tempo aí, nesse exato ponto das derivações dessa palavra: espelunca, - casa mal feita, ruínas-, escombros...


Revisitei as muitas vezes que me senti ruínas e botei olhos em outras tantas que fui monumento, rocha que edifica, pedra fundamental.



Construí castelos de areia...

Minha estrada estava repleta de sapês, casas caiadas e castelos. Sucessos, conquistas e revezes. Fui eu tascas, bibocas e baiucas...

Mas foi na moradia simples, rústica e pequena em que fui mais feliz.

Desapego de mansões…

Minha morada é em qualquer lugar onde caiba meus amores, pois que lar é para mim também uma cavidade, um templo em minha geografia.

Descobri uma catedral em mim, na minha própria arquitetura. Exímia, pequena, desobrigada de monumentalidade e absolutamente suficiente.

Sempre tive dúvidas entre ficar ou ir. Dessa vez, foi fácil decidir. Simplesmente deixei a vida se mover sobre os escombros.

Repaginei tudo, customizei o que foi possível e, ao terminar, me dei conta de que um pensamento tomou assento: quando o amor não for mais o prato do dia, a vida não está onde deveria ficar. É hora de mudar de CEP.


Talvez, seja a isso que chamam de maturidade. Iluminar o barro de que somos feitos.




ROCHAS E FRAGMENTOS

Por Patrícia Leite


























Tenho por hábito me recolher e descer as entranhas da terra. Nesses momentos, no mais absoluto silêncio e ausência de luz, mergulho em meu próprio interior e me eviscero para "OUVIR" Deus.

Sim, é no silêncio absoluto que faço banhos terapêuticos, lanço-me sobre lençóis freáticos e banho-me para além da carne. Uma jornada ousada que, ao mesmo tempo em que me esgota o corpo, me propicia alegria de viver.

Cavernar é sobretudo um estar despido diante do criador... 

A minha entrega, ao estar por lá, é um estar em contato íntimo com toda a minha unimultiplicidade, como diria a cantora Ana Carolina.

O silêncio  aumenta o som das vozes que gritam dentro e em torno de mim e é na surdez para o mundo que tomo pé e consciência dos valores que ressignificam a minha existência.

O subsolo do mundo é também convite e lembrança, pois que me faz sentir ainda mais a necessidade e o calor de estar sob a luz. 

É nessa escuridão que as categorias mais importantes do amor incondicional fazem fluxo e me levam a um passeio com o Divino.

Nesse fragmento temporal, distante e deslocada do conforto, me encontro e  viajo calmamente rumo ao que realmente sou e me redescubro e me relembro. E percebo que o resto é apenas fantasia, purpurina de carnaval.