Por Patrícia Leite
Foto: Patrícia Leite |
Abri a velha porta da memória. A tampa, emperrada pelo tempo, pelo desuso, demorou a revelar o que estava do outro lado.
Encontrei lá a bailarina de sapatilhas de ponta, coque enfeitado de renda, colantt e meia rosa e a empinada saia de tule.
O espelho, a barra, os ensaios… A dança clássica desabrochando a menina-moça.
De repente, o ar ficou tomado pelo cheirinho de bolo de laranja, ainda quente, de vovó Dalva. Lanche certeiro das sextas-feiras depois do ballet.
Segundas e quartas eram regadas a pão com qualquer coisa… Manteiga, requeijão, queijo, mortadela… Sextas eram especiais.
A mesa grande de 12 lugares, sempre posta, ficava logo na saída do corredor – que de um lado dava para os quartos e para a cozinha e do outro para a entrada da sala em “L” ( ÉLE) –, do espaçoso apartamento da 203 SUL.
Impaciente, não foi uma e nem duas vezes que subi de dois em dois os degraus dos seis andares do bloco F, onde morávamos, até tocar a campainha do apartamento 605, porque me achava ligeira e não queria esperar o elevador.
Tinha pressa para alcançar o bolo sendo desenformado. E comer aquele cheiro, antes dele se dissipar no ar.
Sim, comi esganada muitos cheiros antes de colocar nacos quentes na boca e pegar farelos com dedos lambidos de quem comeria mais, muito mais.
Café coado em coador de pano, açúcar, leite e bolo de laranja foi o que encontrei, hoje, quando desemperrei a porta das minhas memórias primais.
E depois enxerguei as cantigas, a algazarra dos meus 8 irmãos, as risadas de vovô Lima, meu pai chegando de mais uma viagem de trabalho…
Nostalgia feliz de quem nasceu em família grande e tem armários e muitas gavetas no porão das memórias afetivas.