terça-feira, 6 de agosto de 2019

NA BATIDA DE DOIS CORAÇÕES

Por Patrícia Leite  (Em 12 de julho de 2019)










 Quanto tempo leva para morrer o amor? Me perguntou aquela jovem, com olhos aflitos.

 A pergunta girou dentro de mim por instantes que me pareceram uma eternidade. Respirei profundamente, antes de responder com uma outra pergunta:

 Por que quer saber? Questionei, com acentuada curiosidade na voz.

 Todos insistem em dizer que não há amor que dure para sempre. Mas há, não há?

 Há! Respondi, sem hesitar.

 E qual é o segredo para fazer com que ele dure para sempre?

 Não há exatamente uma fórmula. Mas desconfio haver segredos e temperos.

 Sério? Quais?

— Bom, eu acho que o amor se alimenta do simples.

 Do simples?? Como assim?

 De pequenas coisas como, por exemplo, compartilhar pequenas tarefas. Cozinhar a quatro mãos ou preparar carinhosas refeições um para o outro...Ler juntos... 

— Mas todos dizem que a rotina mata o amor.

— Na prática seria descobrir juntos o prazer da companhia na realização das tarefas cotidianas. Se um faz o café, o outro põe a mesa. Se um lava os pratos, o outro enxuga... Se um vai ao mercado, o outro abastece o carro... Grosso modo, é ter cumplicidade e satisfação nas pequenas coisas.

 Simples assim?

 Não, não é simples. O cotidiano é ardiloso. Reinventar o dia a dia é parte do mistério, da magia. É preciso manter um estado permanente de alegria. Antes de qualquer coisa você deverá estar sempre em estado de riso. Esse é o tempero principal.

 Em estado de riso?? O que vem a ser isso?

 Minha avó costumava dizer: “Case-se com alguém que te faça sorrir. Um coração alimentado com alegria estará sempre alongando os anos de amor, postergando sua morte dia após dia”.

— Então, cedo ou tarde o amor morre?? Há mesmo um tempo de vida para o amor? O desespero estava estampado naquele rosto apaixonado.

— Eu não disse isso.
— Então, eu não compreendo.
A fala daquela menina apaixonada estava trêmula. Havia um certo pânico, um pedido de socorro, um imperativo. As notas de desespero alcançavam uma ou duas oitavas acima do tom natural daquela voz rouca, familiar e querida. Foi com uma dose extra de mansidão e amor que recomecei a falar:
— O tempo do amor é proporcionalmente vinculado ao saldo positivo do tempo que ele leva te fazendo sorrir e os tempos de tristeza. Pois que o amor é como uma balança de pesagem que deve pender para um dos lados com mais frequência e esse lado deverá ser sempre o das alegrias. Leve em consideração que o lado do riso, da alegria frouxa e da leveza devem pender em quantidade suficiente para neutralizar as angústias provocadas quando a balança pende para o lado dos dissabores. Os momentos que te fazem chorar te darão a certeza de que não vives uma fantasia, algo imaginário. Uma queixa aqui e acolá, uma divergência de opiniões e até uma lágrima que corre valoram a relação e dão a certeza que apesar de o amor bater em dois corações, em corpos diferentes, eles se alcançam, se complementam e se harmonizam.
— Mas há momentos e coisas que não sei como falar, às vezes, acho melhor não dizer, acho melhor me calar.
— Querida, dê especial atenção ao carinho e á cumplicidade que vocês estão construindo juntos. Com o tempo você vai aprender a conversar por meio dos silêncios. Os olhos dirão muito mais do que a boca ousa ser capaz de tentar expressar.
— Mas tenho medo que o fogo da paixão arrefeça! Disse ela, riscando a areia com os pés e desenhando arcos alados. Visto de cima, o desenho parecia asas de borboleta em pleno voo.

De olhos fixos naquelas asas, pensei que aquele amor era cada dia menos lagarta e cada dia mais panapaná. Nascia ali um amor verdadeiro, cuidadosamente cultivado. Naquela “metamorfose” – na transformação da amizade em amor   residia um dos segredos de como manter vivo aquele sentimento. Respondi:

— Quando discordar ou discutir deixe que os sentimentos que movem as sensações das lágrimas de uma saudade embalem o abraço do reencontro. 
Quando os ânimos estiverem muito alterados, coloque uma noite no meio. 
Faça do seu amor o seu melhor amigo. Durma juntinho, mesmo estando brava e mantenha as mãos enlaçadas, os pés de um roçando no do outro. 
Nunca se esqueça de agradecer as pequenas coisas que ele faz para você e por você. 
Quando se inicia um romance, não se deve ficar pensando em quando ele irá acabar. Viva cada encontro como se ele fosse o último. Viva-o intensamente. 
Lembre-se de que o beijo lascivo deve ser revezado com o toque suave e delicado sobre a pele. Pouse um beijo em seus olhos ao desejar boa noite. 
Não se esqueça de que o contato com a pele incendeia o corpo, mas que deve prioritariamente aquecer a alma. 
São deliciosas as noites de luxúria, mas as madrugadas em claro devem ter a mesma importância das noites bem dormidas. 
Nas noites frias empreste seus braços, caia em um abraço. Ah, o abraço... Quando sua cabeça repousar sobre a curva do braço dele e ele te abraçar de um jeito que você sinta que está segura, protegida... você saberá que aquele é o melhor lugar do mundo e ele também.   
Minha querida, não é no término do relacionamento que o amor acaba, mas antes: acaba no desenlace das mãos, quando não há mais boa noite... Quando você deixa de dizer: Sonha comigo. 
O amor acaba quando o egoísmo e o medo de amar são mais fortes do que a fé e o desejo de orarem juntos pela manhã.
O amor é assim, deliciosamente imprevisível... Por isso, encontre beleza na imperfeição um do outro. Tomem banho juntos, dancem de rosto colado, escrevam bilhetes e cartas de amor, sentem para o café da manhã pelados, cuidem um do outro, chorem e riam juntos, viagem o mundo mesmo estando na sala de casa. Sonhem, mas não se esqueçam de viver o agora. 
O amor é isso... Uma urgência do estar no presente... Amanhã?? Não há amanhã sem hoje. A vida é agora. O amor também. 
Ela sorriu e seus olhos se iluminaram. Ela havia compreendido.

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

À MESA, COMO CONVÉM


Por Patrícia Leite

















Quando finalmente tivemos a coragem de colocar um fim naquela relação que vinha sendo forçadamente aquecida em banho-maria, numa tentativa inútil de manter vivo o que já estava, há tempos, gelado como cadáver, mergulhei nas águas da solitude, me perdi em correntezas de vazios e estranhamentos. Mas deixei a força do rio me levar.

E como todo rio corre para o mar, pude ver os sedimentos amealhados ao longo do curso de minhas águas e meus seixos:  fragmentos de acordos, cascalhos de hábitos, calhaus de amor. Quando se vive muito tempo imerso num pseudo-relacionamento é difícil abrir as comportas, deixar ir.

Eu estava atormentada, brava comigo mesma, por ter demorado tanto tempo empurrando o inevitável com a barriga. Eu parecia mar de ressaca. Os nervos eram como ondas violentas estourando na areia.

Por anos, eu havia abandonado a minha própria natureza de ser. Eu estava quebrada como ondas raivosas. E esse mar revolto invadia a minha urbanidade e destruía todo verniz social que me fora imposto. Quanto tempo desperdiçado. Esse era o meu cenário interno. Destroços. Uma visão aflita do que foi, do que não deveria ter sido e que não poderia ser modificado.

De repente, me percebi. Eu estava, pela primeira vez, batendo suave na areia, como o mar em maré baixa, em dia de pouco vento e céu de brigadeiro. Os azuis se tocavam, o do céu e o do mar. Um estado de autocontemplação do oceano que há em mim.

Estávamos acostumados um ao outro, velhos hábitos e recordações, mas o amor já não era mais um prato saboroso à mesa. Era um prato frio e ensosso.

A frase sentença da cantora Nina Simone rodopiava em minha mente: “Você tem que aprender a levantar-se da mesa quando o amor não estiver mais sendo servido”. Ela estava certa. Não havia mais sentimentos ali.

Quando emergi daquela zona abissal do costume de estar junto, deixei de cometer “gafes à mesa”. Me retirei. Finalmente, eu estava novamente viva, plena.

Por quê?? Porque não nasci de forja morna. Sou ferro em brasa. Sou como o aço de Damasco –  forjada em altas temperaturas para ser lâmina de espada de borda afiada e resistente, com faixas e manchas que lembram fluxo de água.

Por que a vida é isso: alta temperatura, resistência, fluxo, um fio.

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