sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

ELOS

Por Patrícia Leite






















Foto: Priscila Leite – [autorretrato das mãos da minha filha e do meu neto Ravi Leite –10.12.2015]


O *bom dia* veio acompanhado de um sorriso cativante e a carinhosa frase: – Tenho um convite para lhe fazer. Um frio me correu a espinha e depositou-se em um dos meus chacras principais.

Algo dentro de mim anunciava que não era um convite qualquer. E não era mesmo. Era um convite muito especial e comovente.

Senti como se milhões de borboletas voassem dentro do meu plexo solar, pululando do seu lugar de origem e provocando uma brisa travessa que prenunciava que algo importante estava por vir.

Em benefício da verdade, é preciso que eu diga que ando mais emotiva e sensível que o normal e que pude, de certa forma, antever a proposta antes mesmo de ela saltar daquela boca amiga.

Aliás, tenho flanado ultimamente com aquela eterna sensação de déjà vu. Não por acaso, o mensageiro tinha voz de anjo e trazia notícias do lado de lá.

Devagar e segurando minhas mãos, caminhou ao meu lado e sorriu trazendo consigo as palavras emolduradas nos sonhos da noite anterior, pronunciadas por semelhante rosto róseo e parcialmente coberto com cachinhos dourados.

Ela veio, deu o recado e determinou prazo para levar resposta. Era uma ordem, mas o tom era de quem pede singelamente, era manso, era sereno.

Caminhei só por alguns instantes e pensei… Pensei…[…]

Final do ano chegando, confraternizações, correria, muita coisa pra fazer. Repassei mentalmente a agenda: ceia para planejar, compra de presentes para a família, mimos para os jogos de amigos-ocultos e ainda tinha que escolher o presente solicitado na tradicional cartinha dos Correios e Telégrafos e pegar as lembranças encomendadas para as crianças do orfanato.

Comprar, comprar e comprar… E fazer o balanço […]

Tempo de pesar o que realizei, o que ficou pendente e os objetivos para o próximo ano. Pois é… Esse ano seria um pouco diferente. Faria um balancete dos últimos 50 anos. Meio século. Uau!!! O número por si só já assusta, pensei. Rsrsrs…

Ano após ano, em cada Natal, a história se repete com um ou outro detalhe diferente. Um amigo ou parente a menos, um novo membro sendo incorporado a família etc.

Conjecturei com meus botões, muitas e muitas vezes, que o Natal deveria ser de três em três meses. Ao menos o espírito natalino deveria ser revigorado a cada três meses. Mas como aniversário só se comemora uma vez por ano… Jesus Cristo, infelizmente, teria que se contentar com esse clima de amor e solidariedade que ronda apenas o mês de dezembro.

Todavia, apesar do meu desejo, o que conta mesmo é que nesse mês o “Espírito de Natal” está no ar, contagiando a todos, até mesmo aqueles que se declaram ateus.

E, nesse Natal, eu que sou espírita – eu que creio que estamos aqui somente de passagem para honra e glória do Pai, para aprendermos e evoluirmos –, daria de presente algo não comercializável.
Finalmente, daria um 'presente' genuíno. Talhado pelas mãos do criador em pessoa.

POR ONDE COMEÇAR? Talvez na edificação, na escolha da raiz colhida ainda em muda, em outros tempos, em outras vidas.

Quando cheguei por aqui, em 1966, cheguei com escolhas prontas, creio. Escolhi minha missão e como faria para cumpri-la. Tomei essa decisão, antes mesmo de fazer do ventre de minha mãe morada, antes mesmo de saber quando chegaria na recém-inaugurada capital do país.

Escolhi quem seria meu pai, minha mãe, meus irmãos e todos que me ajudariam nessa jornada. Todos que me auxiliariam nessa estrada louca da vida.

Num impulso construtivo resolvi deixar os dedos se moverem sobre o teclado, sem pensar muito no que estava sendo dito ou quantos caracteres seriam usados para contar essa história. Afinal, precisava embrulhar meu presente e colocar-lhe um 'lindo laço'.

Laço?? A verdade é que a única maneira que a alma encontra para “dar um tempo para o aprendizado”, na maioria das vezes, pensei, é quando caímos e nos fraturamos. Laços?? Meu presente seria então 'colar', estava decidido. O material teria que ser forte e resistente as intempéries.

Abri um quartinho de coisas que me foram dadas durante toda minha vida. E me pus a remexer, vasculhar estantes, gavetas, caixas … Procurei até por algo que servisse ao propósito nas pastas do arquivo morto.

Encontrei de um tudo naquele sótão empoeirado pelos anos. Alguns tijolos, ferros, areia, pedras, um pouco de cimento e muita, muita argamassa. Materiais que me foram dados logo de início ainda na minha primeira década de vida e que me foram sendo entregues, em lotes, durante toda minha trajetória. Mas nada havia para o acabamento. Revirei tudo. E não encontrei naaaada para o acabamento. Tudo bem… Entendi que cada um de nós somos uma igreja em nós mesmos. E o templo precisa ser construído continuamente. Nada está finalizado. Obra de igreja não acaba nunca, dizem. Rsrsrs… E é verdade. Somos igrejas em constante reparo e restauração. Por isso, de pronto, entendi o motivo de não haver nada de material para acabamento naquelas estantes.

Não, não sou carola. Mas creio cegamente que para tudo há um propósito. Não creio no acaso. Há em tudo uma razão de ser. Simples assim. Mas voltando ao que interessa…Comecei a pensar em como havia acumulado aquele imenso estoque de material de construção.

Então, lembrei que cedo me entregaram a primeira pedra: papai e mamãe se separaram quando eu tinha uns 3 anos. Depois chegaram toneladas de areia. Fui soterrada pelos descasos, vida corrida, abandono, abusos, maus-tratos, solidão, angústias, medos, doenças e desventuras de todo tipo.

E cada vez que uma carreta me cobriu, elevei meus pensamentos ao alto, orei e agradeci. Também me irei, fiquei de mal com Deus e chorei e berrei e esperneei. E Ele como um bom Pai me dizia baixinho: Só há um único CAMINHO para se sentir pleno. Nunca desvie dele!!

Todos temos tumores sociais. Maridos ou mulheres drogados, doenças sem cura, amputações, espancamentos, fome, miséria…Qualquer um pode desfiar um novelo de capítulos terríveis. Mas as mazelas não são terra boa para germinar o que de fato é necessário.

Mas vou lhe segredar um valioso fármaco. Há um emplasto que tudo cura. E ele é a verdadeira argamassa, o cimento, o que constrói verdadeiramente, transforma. Ele é o sapê que ergue as paredes das casas mais humildes. É também o remédio de todas as chagas. É o colo tranquilo para o repouso dos exaustos.

Não importa quais tombos levei, às inúmeras vezes que derrapei, escorreguei, cai, me espatifei. Importa que todas as vezes levantei. Coloquei esse emplasto sobre as feridas e me curei e me curei.

Certa vez, li que o bem e o mal são duas grandes feras selvagens que chegam para nossos cuidados ainda filhotes. Crescerá aquele que alimentarmos melhor. Escolhi alimentar o filhotinho do bem.

Falar de amor, nos dias de hoje, é considerado brega. Mas eu sou brega e adooooro essa breguice que me habita e sou feliz dessa maneira. E esse é o meu presente muitíssimo brega pra você.

Hoje, quero aproveitar essa oportunidade e te dar o maior presente que a vida me deu. Quero dar pra você. Desejo que você possa também presentear outro com o mesmo presente super brega que estou te dando agora. Não, não vou achar que você está me desfeiteando dando o presente que eu te dei pra outro.

Quero te dar AMOR. Essa argamassa que nos cimenta, nos edifica, nos põe de pé. Eu sou resultado de cada pedra que apareceu no caminho, cada areia que recaiu sobre mim, cada buraco escavado sob meus pés. Porque peguei tudo que me atiraram e misturei com essa liga maravilhosa.

Somos todos pequenas argolas, mãos que somam e formam correntes de cura. Somos apenas pequenos ELOS da criação. Mas renascemos no sorriso confiante do outro. Brotamos mais preparados quando nos alimentamos desse sentimento incondicional.

Olhe a sua volta!! Ser feliz é uma escolha. Procure e encontre. Na maioria das vezes, a menor de todas as mãos, a que parece mais frágil e necessitada é que traz a força e o amor necessário ao nosso resgate.


O único caminho é o amor. É também o mais seguro. Portanto, fé em Deus e pé na tábua!!

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

VOTERNIDADE

Por Patrícia Leite




Ela se parece demais comigo. Ri alto, fala com as mãos e é estabanada. Mas também é despachada, forte, valente, destemida... 

Diz ter herdado o pior de mim: miopia, altura, tendência a engordar... Mas ela está enganada. Herdou de mim o meu melhor... É uma mãe apaixonada.

Sabe?? Philipe me pegou pedra bruta, muito menina. Veio para me garimpar, me extrair. Ela veio para lapidar. Mas joia mesmo só virei bem mais tarde. Para ser precisa, em 5.10. 15.

Até um dia desses, essa designer de joias, era mestre na arte de esconder emoções. Mas, este ano, aconteceram fatos que mudaram muito o meu eterno bebê. E transformaram a menina em mulher.

Hoje, ela chora por tudo e por nada. Chora de emoção, de medo, de angústia, de alegria...Ela chora!! Sim, ela chora!!  

Mas chorar, dizem por aí, que foi a forma que Deus encontrou para o amor de mãe vazar. E agora -- que seus olhos parecem rios a verter amor --, ela se parece muito mais comigo do que antes. Ela vai dizer que não. Rsrsrs...

Sim, eu também tive medo, eu também achei que não daria conta, eu quase morri de ansiedade sem saber qual era o caminho mais correto. E sim, eu deixei o amor me guiar, filha.

28 anos se passaram. Você fez de mim alguém melhor dia após dia. Com você aprendi a respeitar os limites dos outros, a perdoar o imperdoável, a amar incondicionalmente...

Ser mãe foi o meu melhor...Mas ser avó??? Ok. Cheguei no topo, estou nas nuvens.

Agora, não sou mais a mãezinha doidivanas e perdida que lia tudo que podia encontrar de dicas para não fazer de vocês os sobreviventes da minha inabilidade.

Agora sou a vovó...O oráculo?? O google?? Não! Apenas a vovó. 

E aqui fica uma confissão. Me pego tateando no escuro tentando aprender como ser a melhor nesse meu novo papel. 

Aprendendo sempre e todos os dias. Obrigada por fazerem parte dessa minha construção.




sexta-feira, 20 de novembro de 2015

REVIRANDO LENÇÓIS


Por Patrícia Leite







































Fotografia: Fernando Alves [15.11.2015] 

                                      
O Relógio tocou, às 4h da matina e, apesar de ter ido dormir às 2h, ela – que tanto detestava acordar cedo , levantou cantarolando. Estava alegre, ansiosa e animada. A vida estava no ritmo de sua urgência, pensou.  

Sim, ela tinha pressa em ser feliz. Jogou de lado as cobertas, vestiu-se rapidamente. Em poucos minutos, estaria nas entranhas da terra, vasculhando, se entrometendo, interagindo.

O sol apareceu acanhando, entre as nuvens, por volta das 5h30, borrando o céu com tons que variavam do amarelo ao vermelho. Uma chuva fina e um vento frio chegaram de repente para colocar em xeque a empreitada do dia.

Olhou a volta, analisou as nuvens, as condições de vento, calculou mentalmente e concluiu: Sim, teria cerca de 8h até que o temporal caísse.

Estacionou o carro no ponto de encontro, cumprimentou os companheiros de exploração e se juntou aos demais membros da equipe. Desta vez, foi sentada no banco detrás do carro e seguiu tecendo conversa fiada com dois desconhecidos. Logo, sentiu-se entre amigos.

Todos seguiram falantes pela BR-020, por pouco mais de uma hora. Mais ou menos uns 120 quilômetros depois, fizeram uma parada para tomar um pingado e comer um pão de queijo recém-saído do forno. Um friozinho correu-lhe a barriga. O destino final estava próximo – Caverna da Jabuticaba.

Sabia que o local ficava logo depois de Formosa-GO, no Distrito de Bezerra, e que teriam que rodar ainda um trecho pela GO-468 até chegarem a mineradora Santana, extratora de calcário e brita, e ponto de partida para um novo dia de aventuras. Ao chegarem na mineradora, caminharam por cerca de meia hora até que todos alcançassem a entrada da caverna.

Ela sabia, antecipadamente, que enfrentaria 1.674m de extensão, por debaixo da terra, segundo a Sociedade Brasileira de Espeleologia. E passaria por vários salões, um deles com aproximadamente 12 metros de altura. Também se preparou para os locais nos quais seria necessário passar só com a cabeça de fora d'água, há um palmo do teto da caverna.

O que ela não sabia é que a maior parte do percurso seria realizado dentro d'água, que em vários momentos o trecho seria profundo demais e que ela teria que nadar numa água extremamente gelada por longo tempo.

Em benefício da verdade, todos tinham sido avisados que a água era fria, que em alguns trechos do lençol ela bateria no teto e que seria necessário mergulhar para passar para outro salão. Mas entre a teoria e a prática há uma grande diferença. E nem bem a expedição começou...Alguém reclamou que estava entrando em hipotermia. Um certo exagero, é claro!!

Mas como se tudo isso fosse pouco... Ela descobriu aos 47 do segundo tempo, que só havia um jeito de sair dali. Teria que engatinhar sobre os detritos vegetais, abrir espaço entre os galhos, folhas e troncos para finalmente, na garganta da caverna, ter que se lançar no vazio.

Sim, no fim da caverna a única forma de voltar para trilha é saltar de um barranco com de cerca de 6 metros de altura, porque não tem como descer escalando, para cair por um tempo que parece uma eternidade dentro de um lago chocolate.

[…] Olhou para o alto, pediu proteção ao pai e saltou. O tempo pareceu não ter pressa, até ela emergir daquelas águas...

Uma chuva fina começou a cair novamente, o céu estava negro e anunciava que o temporal estava próximo. O cheiro de terra molhada e o perfume adocicado da jabuticaba encheram o olfato, bateram no céu da boca, deslizaram pelos pulmões e, ao final de todo esta explosão de sensações, o corpo suspirou, relaxou e entrou em equilíbrio.

A adrenalina agora era apenas uma lembrança boa. Mas viciada em adrenalina, fechou lentamente os olhos, degustou por mais um instante aquela sensação de prazer extremo e começou a desejar o próximo encharque de êxtase.








quarta-feira, 11 de novembro de 2015

BRISA BLASÉ

Por Patrícia Leite




Deitou-se com a cabeça a mil por hora. Sentia-se embotada. Não conseguia mais demonstrar interesse por nada. E nutria um principal desinteresse pelos excessos, quaisquer que fossem eles.

Mas a inaptidão para recomeçar um relacionamento amoroso era algo que colocava o amor no topo das coisas que nenos a entusiasmavam.

Ao contrário, despertava-lhe um absoluto desinteresse. Ela ainda se sentia presa a um amor do passado e esse era o mais esgarçado dos tecidos envolvidos na colcha de retalho que a constituía.

Dormiu pouco mais de 4 horas, naquela noite... Lentamente, virou-se na cama, sorriu maliciosamente, sem ao menos abrir os olhos, se espreguiçou e o primeiro pensamento que lhe ocorreu foi: – hoje é dia de me reinventar.

Começou a repassar mentalmente a lista das coisas que seriam necessárias a essa nova mulher.

Bocejou...

Talvez ainda usasse algumas peças das roupagens antigas, pensou. Mas o fato é que era chegada a hora de virar a página.

Tinha o hábito de lavar os cabelos ao acordar e antes de dormir... Manteria o hábito. Manteria ainda o prazer de se perfumar ao deitar e de se jogar nua sob as cobertas.

Sempre detestou dormir vestida. As lingeries, para ela, tinham uma única função: seduzir!! E ela era sexy e sabia usar isso em seu favor. Ok, manteria esse item no seu “guarda-roupas” também. O que mais levaria para essa nova mulher que nasceria hoje, pensou!?

Uma lufada de vento entrou pelas janelas, quarto a dentro e sacudiu as cortinas De Voil formando uma grande barriga. Parecia uma vela de vento em popa.

Ok. Estava decidido. Levaria a velejadora também e todo seu lado aventureiro. Não abriria mão das cavernadas, decidas de rappel, rafting, escalada, trilhas de pedal. Sim, estava decidido. Valeria a pena levar consigo a adrenalina dos esportes!!

Depois de fazer mentalmente as malas da nova vida, concluiu que amor é: “um caminho que começa em si mesmo”. Protagonizar era a palavra de ordem ...Esse era o sentido de tudo. O outro seria sempre coadjuvante.

Nascia uma nova mulher, trazia consigo o melhor da que tinha ficado para trás. E trazia consigo um brilho novo nos olhos...Enfim, descobrira finalmente o que lhe faltava. Procurou em todos os recantos...Andou e tateou no escuro...E [re]descobriu-se.


Sorriu tranquila ao se reencontrar. Estava em casa, de novo. Finalmente, se [re]habitava.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

UMA CHANCE PARA O OLHAR

Por Patrícia Leite





A sociedade contemporânea está mediada por excessos – orientada por hipertextos cênicos e emaranhados de telas que perderam o sentido original ou simplesmente nada mais expressam.

Quem confere significado verdadeiro às figurações é o observador comum, e, este, praticamente, inexiste. O exagero de imagens confunde, anula e automatiza os modos de ver. Em outras palavras, a sociedade pós-moderna esqueceu-se do que é o olhar e perdeu-se de si mesma.

Pitorescas cenas do dia a dia passam despercebidas em meio ao olhar tedioso da multidão. A vida competitiva e efêmera, dos grandes centros, não deixa lugar para a observação natural. E, a chamada "era da informação" de que matéria é feita?

Esta, sem dúvida, é representada por um modelo midiático que oferece espaço, apenas, ao show, ao horror, a corrupção, a violência. Quase todos os espaços estão absorvidos pela espetacularização, embora muitas vezes disfarçados.

Comportamentos modelos não têm lugar nos fatos noticiosos, tampouco na existência das pessoas. Ninguém mais se preocupa com nada que não circunde o próprio umbigo. Os narcisos proliferam por toda parte. Os românticos são repelidos a todo o momento.

Ainda resta espaço textual de expressão para as minorias engajadas? É possível. A crônica – gênero literário livre –, captura por meio do interlocutor o que o capitalismo, antropofagicamente, arruinou.

De certo, que o testemunho histórico e o depoimento subjetivo do cotidiano dissipam-se na fruição do pensamento professado. Mas isto é diferente de engolir o homem, e está muito distante do reducionismo existencial que a precificação humana alcançou na “pós-modernidade”.

Somos todos meros produtos na cadeia produtiva, servindo-se uns dos outros? Pensar sobre o perdimento do homem me fez parar e refletir se, também eu, ainda sei olhar.

Percebi no correr das horas que, uma tarde de observação nos coloca na contramão do percurso da corrida de inserção econômica. O ócio, que delícia o ócio! Ele pode oferecer uma imensa diversidade de contrastes. É possível reencontrar neste ambiente o olhar a muito perdido.

O reencontro é bárbaro, mas não é feito sem dor e nostalgia. Algumas pessoas estão tão distantes dos outros e de si mesmas que sequer concebem a ideia de parar, um minuto que seja, para olhar. As poses, fotográficas ou não, mostram e revelam.
Ao editar as fotos e repassar cada momento, tive a impressão que a natureza parecia ter percebido que, naquele dia, alguém parou para, de fato, olhar. Questionei naquele átimo de tempo se preciso de todos àqueles sapatos no armário, roupas e acessórios.

Percebi que descalça, suada de correr atrás de toda aquela energia, estava uma alegria única e despida. Não há na nova era espaço para o texto livre? Para românticos? Para os simples? – Perguntei-me.

Há! Este espaço reside no olhar. Recanto de domínio pessoal, intransferível, que no limite pode e deve ser compartilhado. E neste contexto peço que me desculpe a razão, mas esta loucura é prazer puro não dá para ignorar. Fiquem vocês, "donos da razão",cativos das imposições sociais pós-modernas. Quero ser livre para olhar, ser olhada e compartilhar. Para isso, não há excesso.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

PRUSSIANO PODER, UM ÁTIMO DE TESÃO

Por Patrícia Leite




Passava das 23 horas...

Naquele sábado, de um interminável mês de agosto, ela estava com o demônio no corpo e não tinha a menor intenção de exorcizá-lo. Ao contrário... Faria todos os rituais satânicos para evocá-lo e ainda rodopiaria com ele o salão, num baile frenético e sem cerimônias de apaziguamento.

Não que ela fosse uma anticristã. De modo algum. Era até muito católica. Ia a igreja todos os fins de semana. Mas o lado negro da força, com a proximidade da meia-noite, estava vencendo a batalha entre o seu lado bom e o seu lado mal.

Com aquela enorme lua cheia por testemunha, ela sorveu da taça mais um gole cor de sangue e o rubor, de mesmo tom, tingiu-lhe a face. Sem dúvidas o vinho já tinha alterado os ânimos dela. E ele, o cavalheiro sentado a sua frente, também estava visivelmente agitado, como quem está a pressentir o que estava por vir.

Ele, numa tentativa de autocontrole, rodava lentamente o gelo, da sua quarta dose de Royal Salute, com os dedos. O garçom que, diga-se de passagem, o servia há anos, também achou estranho que ele estivesse tomando seu wisky favorito com gelo, principalmente o daquela garrafa de safra tão especial e que só era solicitada em comemorações importantes.

Prussi parecia distraído […], e ao mesmo tempo receoso, quando lançou um olhar no movimento dos quadris da moça que passava ao lado de sua mesa.

O relógio antigo de parede girava lentamente os ponteiros até se unirem para bater doze badaladas.

De repente... Ana levantou-se de supetão. Ela não teve dúvidas quando colocou o dedo em riste, diante daquele homem de quase dois metros de altura, e disse alto, claro e em bom som, no meio do restaurante:

– Vocês ficam mortos depois da "batalha", não é mesmo, Prussi? E fez aspas com os dedos quando pronunciou batalha. Na boa, passou da hora de eu te dizer umas verdades. Sexo bom é quando o homem segura o próprio tesão e primeiro vai dar prazer a mulher. Porque mulher sabe retribuir, depois de satisfeita o seu homem e vocês têm muito o que aprender com a gente. Ha..há...há...sorriu com escárnio, olhando o traseiro da outra. Você não pode ver um rabo de saia passar que logo arranja um jeito de fazer o seu número de telefone chegar até ele, “O RABO”. 

Mas, queridinho, deixa eu te contar uma coisa...Você é péssimo de cama, por isso não para com ninguém. E por isso que você foi corno da própria mulher, da mãe dos seus filhos. Outro segredo... Eu, a sua mais nova e suposta amante, fingi gozar todas as vezes e você nem notou. Porque que ainda estou com você?? Porque você é culto e eu gosto mesmo é da sua inteligência. Trepar com suas ideias me fazem gozar. Supus que eu pudesse ensiná-lo o resto.

[…] Todos se viraram na cadeira para olhar, inclusive eu.

Ana, por favor, todos estão olhando, falou entre dentes.

– Você está preocupado com o que exatamente?? Sua carreira?? Seus amigos?? Ou não conseguir aprender a trepar??

Ele era o próprio representante direto do sistema “PRUSSIANO”, do século XVIII. Militar de alta patente, acostumado a atingir rapidamente seus objetivos e gerar uma massa de pessoas obedientes e competitivas, com disposição para guerrear. Seus sentimentos eram igualmente prisioneiros do sistema. E foram adestrados em escolas machistas.

Seus afetos viviam em presídios sujos e inadequados, com seus portões, grades e muros; com horários estipulados de entrada e de saída, fardamento obrigatório, intervalos e sirenes indicando o início e o fim dos horários de entrega.

Ele nunca ficava com ninguém tempo suficiente para se apaixonar. Mas, no fundo, sabia que havia sido fisgado. E por mais que tentasse usar suas habilidades de predador e por mais que o sentimento de poder fosse enebriante, ele sabia que tudo isso era inútil no âmbito doméstico.

Quando ela saía do sério, todos sabiam, e refletia pública e apaixonadamente as verdadeiras estruturas políticas ditatoriais a que ele tanto estava acostumado, era fácil perceber o frio que lhe corria a barriga e o chão que lhe faltava . Ela o adestrava na arte de amar e o punia publicamente quando ele falhava.

Sua metodologia educacional era cruel e coerciva e não levava em consideração a natureza da aprendizagem, a liberdade de escolha ou a importância do amor. Tampouco as relações humanas no desenvolvimento individual e coletivo. Assim, e visto de perto, fracassados somos todos os que compactuamos direta ou indiretamente com esta verdadeira máquina de subjugar inocentes, pensei.
E aqui estamos agora, com este problema enorme nas mãos...

Prussi podia ter acesso, talvez com a mesma facilidade que a mestre, aos conhecimentos, às ideias e às informações que estavam sendo tratadas naquela escola de relações. Mas essas escolas tornaram-se também as primeiras burocracias seculares da tecnocracia. Verdadeiras estruturas para legitimar algumas partes do fluxo. Grosso modo, uma escola-meio que pretende apenas governar o outro para além de si, usá-lo e descartá-lo.

Mas a sua demonstração de inflexibilidade, rigidez “moral” e perseverança de princípios não o permitiria escapar ileso do rigor prussiano daquela mulher e, no fundo, ele sabia que não sairia inteiro daquela batalha. Ela definitivamente dominava a arte da guerra. E para ser cruel usava sua beleza e seu charme para seduzi-lo e encarcerá-lo cada vez mais. Desta vez, ao que tudo indicava, por livre e espontânea vontade, ele iria se render. Porque sem ela, sabia que seria apenas um sujeito pardo e macambuzio.

– Se jogue, então Prussi! O que pode te acontecer de ruim?

– As mulheres acham que dor é um privilégio feminino. Os homens não sentem nada, não é Ana?

– Não acho isso, não! Mas evitar quedas nunca me impediu de cair e de sangrar muito. Nem vai impedir você.

Ana, pare!! Hoje, sou apenas eu, com apenas você, sem caixinhas, sem divisões. Eu e você e esse seu jeito de me olhar... E só. Mulher, agora só existe nós porque há em mim uma vontade enorme de deixar o passado no passado e ser feliz. Vou ser com você a partir do que sinto e do que você sente no contato comigo, falou quase berrando. E, aliás, que papo é esse que nunca gozou comigo?? Está de sacanagem?

Jogou algumas notas em cima da mesa para pagar a conta, olhou sobre os ombros, agarrou-a pelo braço, sorriu sonoramente e disse:

Ana, vamos para casa!? Hoje, quero ver você “fingir” tesão a noite toda e gritar que morre de prazer comigo. Rsrsrs...



sexta-feira, 13 de março de 2015

CLEPSIDRA

Por Patrícia Leite



Quem pensa ele que é?? Não sei eu! Sabes tu??

Porque perto de ti, amor meu, ele corre, se apressa, dispara, voa...
Porque longe de ti, esse danado, se arrasta, faz birra, bate o pé, empaca...

Aaaaah doido que não tiquetaqueia na velocidade do meu desejo
Maluco que ri de chorar e que zomba debochado do meu desespero

Fostes talhado para medir. Mas não mede o estrago que fazes
Por que razões desprezas o pulso acelerado de quem não pode modificar teu passar??

Enquanto gotejamos sentimentos de uma âmbula para a outra, segues voraz e insensível. Segues no compasso egoísta de tua própria métrica. Símbolo grandioso da transitoriedade da vida porque não modificas tuas práticas??

Hora tu és vida...Hora tu és morte... Hora tu nem és nada. Apenas enfado. Tudo é e tende a ser descontrole na tua mão e é exatamente isso o que me impulsiona a fugir de ti. Me obrigas assim a ser o meu próprio quadrante solar.

Desprezo-te. Conto em luas minhas partidas e chegadas. Porque não posso contar contigo e com teus ponteiros sarcásticos que se movem [a] ritmados de mim. Acaso contas por lágrimas teus giros??

Sabes o que me compeli a fazer?? Não?? Te digo. Ponho-me a brincar de pique-esconde contigo. Deito, ouço música, entro na porta das lembranças e simplesmente estou lá Caraíva de mim, de nós. Grãos de sonhos no mundo real.

Tô dormindo? Pode ser. Então não me belisca que não quero acordar. Porque sonhar acordado é ainda melhor que em sono e em sonho. Porque sonhar acordado é liberdade, meu caro senhor. Assim de desobedeço Doutor Tempo.

Tempo te afasta de mim pois que tu és chama que queima e arde e não preciso de ti para estar, nem aqui e nem em qualquer outro lugar. E esta é a minha rebeldia.












quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

VENTOS GALVANIZADOS

Por Patrícia Leite
[11 de Fevereiro]





















Olhou adiante e seu suspiro foi tão intenso e profundo que aquela lufada de vento, que saiu de suas narinas chorosas e impregnadas de lágrimas, foi capaz de mudar o silêncio do mundo.

Estava decidido […] Ofegou!!!

A ideia surgiu há tempos... Não sei precisar quanto. Acho que foi logo que me desatei. Cortei os cabos, levantei minhas âncoras existenciais e decidi partir.

Fui aprender a velejar – ventilar sentimentos –, e entendi que havia apoitado mais tempo do que deveria em uma área inóspita, em um coração árido, onde nada brotava.

Sim, unhei e mantive o ferro cravado em um ser por muito mais tempo do que devia. Mas o tempo é relativo. Portanto, minha idade também, ponderei com meus botões.

Esta manhã, acordei com 17 anos e cheia de sonhos irresponsáveis. Pode ser que amanhã eu me levante com a sabedoria de uma anciã de 90, mas que ainda acredita que a vida é um eterno se reinventar.

O fato é que quero ser de todos os lugares e de lugar nenhum. Ter muitas idades, vários valores, diversos amores... E não estar presa a nenhum. Meus laços...

Meus laços estão por aí...Meus nós carrego comigo.

Quero entender o que me move e quero mover-me para me entender. Quero pertencer a múltiplas culturas e não ser parte permanente de nenhuma delas. Quero ser totalidade.

Quero me aninhar, me animar e dar movimento a uma espécie de vida que ainda estou inventando, costurando a todo vapor. Uma vida que pulsa e ecoa sons, por vezes contidos, de autoconstrução.

Acordei, hoje, consciente de que não sou mais quem fui e não sou nada diferente do que estar por vir. Mas...

Sou mutação, renovação, reinvenção. E apesar de saber muito pouco de mim... Sei que agora vou me ocupar com coisas da alma. Viver sem agendas, tomar decisões cada vez mais passionais e governadas pelas nações dos muitos sentimentos que me habitam.

Mas o fato é como posso iniciar um investimento nas coisas da alma? Talvez paixão seja a resposta.

“Reinventar”. Sempre é possível se reinventar. O velho Sigmund, há um século, já dizia que somos movidos pela paixão, mas que ainda assim relutamos e negamos nossos pulsos naturais. Meu pulso natural...

E assim ando – em meio a uma enorme profusão de sentimentos –, começando a me sentir, digamos, contentinha... Porque feliz é uma palavra complicada.

Descobri que há uma certa relação entre nossa alma, o como estamos por dentro e o ambiente em que vivemos. Descobri que encerrar histórias nos concede a chance de (des)(re)construir.

Por esta razão, resolvi trocar todo o meu sistema operacional. E embora o hardware esteja meio castigado, está suportando o novo software muito bem.

Estou apaixonada por mim mesma. E isso é ótimo, porque estar apaixonada significa estar pronta para a chegada do novo.

Ser feliz não é uma vocação, e eu digo isso há anos. É um desejo!!!

Sou um tanto quanto lacaniana. Por quê digo isso? Porque a clínica de Lacan é a clínica do desejo e é justamente por acreditar que o desejo nos move que estou fazendo uma visitação minuciosa nesta área do não saber o que fazer. Apenas desejando fazer. E dizendo o que me vai na alma.

Amo as palavras e juntar palavras e lhes conferir um novo significado me fazem bem. Vou segredar-lhe:

Sou um pedaço, sou parte de uma gente que teve mil coisas, que teve todo bem e todo o mal do mundo em um único momento... Ganhos e perdas significativas que me ensinaram, por exemplo, que ser homem, ser macho é poder chorar que nem moça adolescente, se emocionar à toa, se permitir.

Aprendi a admirar homens que revelam ser  chorões de carteirinha e que apesar de terem nascido em um berço machista e terem passado a vida a rezar na cartilha do macho alfa...Não querem mais repetir padrões. São homens de verdade. Homens que já abandonaram esse negócio de pensar que se emocionar é coisa de mulherzinha.

“Não se entregar faz parte do passado”, disse-me um grande amigo.

– Quero rasgar o coração e resgatar essa enorme mulherzinha que tenho dentro de mim. Resgatar ela das masmorras. Porque, como bem diz Pepeu Gomes, ser um homem feminino não fere meu lado masculino. Para além disso, quanto mais resgato meu lado feminino mais me encanto com as mulheres... E mais elas se encantam de mim, acrescentou timidamente.

Eu, na contramão, que deixei meu lado masculino bicho solto... Quero abafar em mim o masculino que ainda me resta, porque não quero mais ser o símbolo da fortaleza, do poder.

Descobri que ser mulherzinha, aprimorar o meu lado feminino, me toma grande, gigante, enorme.

Gosto desta nova mulher para a qual tenho me dedicado a construir...Menos independente, menos poderosa. Esta mulher que nasce agora me globaliza.

Digo-me sempre:

– Bela ela, bela esta mulher de agora. Esta mulher que uniu os pontos invisíveis do que foi, do que é, do que fizeram dela e do que ela ainda está por ser e fazer.

PRIMA VOLTA – primeira vez... Dizem que a agente nunca mais esquece. E ando com muitas vontades de "primeira vez". Muitas...

Vontades de dar largueza, vazão, fruição a tudo que sinto. Imagine alguém que diz não ter nada para oferecer a não ser a si mesmo... Sensacional!!Esta sou eu agora.

Estou apaixonada pela mulher em que me transformei. Forte para as lutas diárias. Mas ainda assim romântica, amorosa. E tudo isso é resultado, fruto do exercício de dar vazão. Continuo cheia de defeitos e medos. Mas me arrisco mais...Me jogo em abismos, sem redes de proteção. Dou risada dos meus tombos. 

Deixei de fazer tuuuuudo muito planejado. Enfim, a vida é hoje, é já, é agora.

Mulher ousada, mas ainda ensaiando passos para romper redomas. Redomas não protegem ninguém de nada. Uma sobrevivente sabe que é o enfrentamento que a protege. E assim sendo, quero me reservar o direito de seguir em frente e ser feliz. Como já disse... A felicidade é um Desejo. E eu desejo ser feliz. 

Estou encantada comigo...

Me lembrei, hoje, de certos ódios nativos... E de como ser livre e leve é uma experiência maravilhosa.

Grandes pequenezas...

Debruçar-se por horas a falar de amenidades a sombra de uma árvore. Encantar-se com tudo e com o nada. Provocar risadas... Isso é uma espécie de catarse, é um despertar de um sono profundo como condição singular de se ter e de se ser um sujeito em pleno estado de encantamento.

Romper!! A história pessoal aprisiona. A vida se descontinua, pessoas e situações mudam. E as rupturas abrem novas trilhas, novos caminhos, novas partilhas com gente que também foi muitas coisas.

Ninguém sabe o que está reservado para si. Todavia, é preciso abrir a porta para que o vento entre, para que o sol entre, a tempestade, a neve...e a brisa aromatizada pelas flores.

Abra a porta. Faça loucuras...Faça viagens inesquecíveis e inesperadas, me digo todas as manhãs.

E me dou conselhos...

Siga, se reinvente!! Porque depois do caminho tortuoso, é bom estar ao sabor do vento, como dizem os homens do mar...

E eu me ouço... 

Por isso, estou em movimento, galvanizando a minha energia vital para impulsionar novas energias. Energias do outro...O outro além de mim.



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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

VEM CÁ LUIZA

Por Patrícia Leite
[8 de Fevereiro/2015]





Sim, “a felicidade não entra em portas trancadas”, leu em um cartaz e meneou a cabeça concordando. E, não por acaso, passou o dia com a frase pulsando em seu pensamento.


Estava imersa em um turbilhão...A vida parecia ainda estar de ponta-cabeça...Mas a vida estava mesmo era entrando no eixo.


Adormeceu em meio a oração noturna, mas não sem antes pedir a Deus que limpasse sua casa, sua alma ferida e seus pensamentos pouco iluminados.

Todavia, ao amanhecer, quando veio a resposta as suas preces, não soube distinguir se aquela experiência notívaga era um sinal ou se não passava de um sonho bom.

Logo, teve certeza. E deu-se conta de que o fato relevante a ser considerado é que seria de braços abertos que ela realizaria aquela missão em sua vida, apesar do medo.


Despertou e tomou conhecimento do tamanho e da importância daquele trabalho que iniciaria quando escutou alguém sussurrar em seu ouvido:

Não deixe que o medo seja maior que a tua fé!!

[...]


E foi ainda inebriada com aquele ordenamento que ela desceu novamente a colina, às seis da tarde, na hora do anjo, ao som da Ave-Maria, para ver ao longe o que estava por vir.

Pode observar, em silêncio e concluir... Sim, aquele espírito estava pronto e implorava pela chance de reencarnar. E não tardaria muito reencarnaria.

Aquele espírito velho trazia consigo uma alegria genuína de quem tinha recebido permissão do pai para um passeio incrível.

Corria descalça pela relva, com os cabelos cobertos de minúsculas flores e estava envolta em uma luz tão especial e restauradora que o lilás e o azul pareciam se fundir ao branco para depois explodir em centenas de milhares de Arco-íris que podiam ser vistos por todos os lados, em todos os mundos.

Ela aproximou-se correndo e tinha um brilho tão imenso nos olhos que é absolutamente impossível de ser descrito e exposto em palavras.

E foi diante deste espetáculo que aquela pequena mão entrelaçou meus dedos e disse:

Isso não é um sonho. Eis que lançarei luz em teu caminho e sua estrada será para sempre iluminada. Eu me chamo LUIZA e estou aqui para que nunca mais haja escuridão em tua vida.


Soube imediatamente que dali em diante nunca mais faltaria luz em nossa casa. Ela estava chegando... A luz estava chegando... O anjo da vitória era esperado e viria junto com a primavera.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

“CAFACANALHADA”

Por Patrícia Leite





“Estou muito mais para cafajeste do que para canalha”, disse sem cerimônia.

Mentalmente, ela antecipou o que seria vomitado daquela boca suja e sem modos e ficou rubra só de imaginar com que falta de decoro ele explicaria a diferença entre os dois tipos de indivíduos e de como certamente isto seria explicado no seu habitual arsenal de vocabulário chulo.

Ela, uma amante das palavras, desejou intensamente que ele definisse as diferenças com uma linguagem menos torpe. E, em detrimento do enorme constrangimento que sentiu, pediu a ele que explicasse sua teoria “cafacanalhada”.

– Eu nunca minto ou iludo uma mulher com qualquer propósito escuso. O homem cafa é aquele que você sabe que é HOMEM. E 90% dos homens tendem a isso. Se são homens, são cafa, sentenciou. E eu estou incluso nesse universo e isso te dá uma segurança com relação a mim. Sou HOMEM.

Realmente, hoje é difícil saber claramente quem é ou não homem. Pensou ela, mas não proferiu palavra. Aguardou em silêncio.

– O canalha eh diferente... Ele ilude, seduz, consegue o que quer e depois a mulher fica sem chão. Mas tudo isso são percepções parciais.

No fundo, pensou ela. Todos estão perdidos em seus papéis. Ele pareceu ler seus pensamentos...

– Eu confesso que tenho tido uma certa dificuldade. Sou romântico, gosto de namorar. Meus relacionamentos pretéritos duraram anos. E quando namoro, eh para valer... Janta comigo???

[...]

No romance, nesse espaço do incerto, não dá para ser santa e nem puta. Mas houve, para dizer o mínimo, ingenuidade por parte dela. Simplesmente, se deixou lotear. Simplesmente doou sua alma romântica ao estrangeiro de si e de sua vida pacata. Há muito, ela havia declinado da vida agitada e cheia de correria.

Ele notou. Sim, ele notou e desorganizou aquela casa arrumada. Deixou o coração dela aos pulos. Mordeu-lhe o juízo. Cortou o cinto de segurança, ferveu-lhe o sangue. Colocou tudo de cabeça pra baixo. E fez toda esta bagunça a luz de velas e ao som do melhor dos clássicos da MPB. Ele misturou, em uma coqueteleira invisível, uma pitada do canalha e uma dose cavalar do cafajeste que ele hospedava naqueles olhos de ébano.

E por todo lado aromas selvagens impregnavam o tecido dos lençóis, das roupas e principalmente o tecido dourado de suas peles morenas. Aninhados, braços e pernas entrelaçadas, adormeceram sem saber se é possível ou não, eles ou qualquer outro casal, oferecer um ao outro um dia branco, apenas. Num pedaço de qualquer lugar, como diria Geraldo. Sim, o Azevedo.