segunda-feira, 28 de abril de 2014

VOZES DO SILÊNCIO

Por Patrícia Leite




Por que não fiquei calada? Falas brutas ou edições? O que publicizar ou não? Perguntas que me rondam e me inquietam sempre e que hoje acabei por deixá-las escorrer para fora da boca. Pronto...Estava aceso o estopim.

Faltou filtro, mais uma vez, pensei!! Iniciou-se uma grande discussão acerca de como o silêncio pode dizer muito mais que as palavras. E não é uma questão de ser polido, ser politicamente correto ou passar demão sobre demão de verniz social.

Quando compreendemos que não há o que possa ser feito contra a agressividade contida na imutabilidade avassaladora da verborragia desnecessária é melhor cerrar os lábios e mudar de atitude.

Neste momento, ouça, olhe com doçura e compreensão para o seu interlocutor, meneie a cabeça e permaneça em silêncio... Eu me dizia.

E foi lá, onde a vozes se calaram, que encontrei as respostas certas. Nos conselhos que partiram das vozes do silêncio...

Não há dúvida, refleti interiormente, que as palavras reverberam e se movem e têm força. Mas elas também não se estendem em nenhuma superfície, ponderei. Elas não se instalam, não proporcionam morada definitiva em ninguém.

As palavras andam, correm e podem causar estragos. Pondere, me ordenei! As palavras erradas machucam. Já o silêncio...Estas pequenas pausas na sonoridade podem promover reflexão, abrandar corações aflitos e passear na adversidade sem causar transtornos.

Em benefício da verdade, a calmaria aparente que o silêncio traz consigo pode provocar no primeiro momento e deixar tudo revolto. Mas é no silêncio que reside a paz e está a verdadeira arte da guerra. Porque é no silêncio que encontramos nossas vitórias.

Conclui, por fim, depois do tumultuado debate interno, que o silêncio crava no outro o que palavra nenhuma é capaz de fazer.


Interpretar o silêncio não é realmente tarefa das mais fáceis... Mas é exercitando que podemos alongar as pequenas pausas e promovê-las a silêncios reveladores.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

ESPAÇOS & VAZIOS

Por Patrícia Leite



Amou com tanta intensidade que achou que seria absorvida, tragada para dentro de si. Podia sentir ainda o calor do corpo amado deitado ao seu lado.

Os lençóis, o travesseiro, o quarto e seu corpo ainda guardavam o cheiro deles. E foi com um certo receio que abriu lentamente os olhos para certificar-se se aquilo tudo estava acontecendo realmente.

Constatou o óbvio. Não estavam mais juntos, ela sabia. E ele estava a centenas de quilômetros. Tudo não passou de um sonho. Todavia, o momento parecia tão real.

Levantou da cama com o coração ainda disparado e a respiração ofegante, bebeu água e ficou por um tempo – que não soube depois quantificar quanto –, envolvida naquelas lembranças...

O sono demorou a voltar e os pensamentos dançavam prelúdios de um tempo que estava por vir. Relembrou promessas e fez exercícios mentais dos lugares que visitariam juntos.

Deixou o pensamento bailar e antecipar a tão desejada liberdade. Teriam uma vida calma...

Nadariam nus em mares azuis e se aqueceriam em fogueiras noturnas, acesas em praias desertas, de algum paraíso tropical.

Ela dançaria para ele sob a chuva, tendo apenas como veste os longos cabelos negros... Sonhar, dizia ele, é sempre o primeiro passo para um desfecho real, relembrou ela.

Mas, apesar dos sonhos e da imensidade da extensão dos sentimentos que os uniam, mesmo que distantes, a ausência dele provocava vazios. E aquele vácuo era um sentimento angustiante.

Ela precisava manter ocupado aquele espaço vital. Mas toda aquela ausência dava a ela uma sensação de quase morte. O que fazer diante daquela privação, daquela ausência, e daquela dor lacerante que jorrava da saudade?

Ela não sabia o que fazer diante da extensão indefinida do tempo de estar juntos, e este intervalo entre o momento da ausência e o ponto da presença impõe grandes espaços de tempo...Provoca silêncios ensurdecedores...Abismos...vazios...

Sem ele seu espírito é apenas um corpo que cai livremente na calçada desta selva de pedra imposta pela urbanidade e pelas leis do consumo das interações ocas.

Sim, concluiu que esperaria o retorno do preenchimento dos espaços vagos porque concluiu que suas almas afins são o verdeiro território de estar.

O sono toldou-lhe os pensamentos...Mas, antes que ela voltasse a adormecer, uma brisa, breve, fugaz, soprou-lhe um conselho ao pé do ouvido...

Sem ser você e ele, sem dar verdeiro sentido ao que é ser “nós”... Este conjunto que vocês formam deixa de ser laço… E tudo passa a ser vão, fútil, frívolo: rituais vazios.





segunda-feira, 21 de abril de 2014

LUA DE SANGUE

Por Patrícia Leite
[Em 13 de abril de 2014]




O vento não passava de dez nós. Mas a vela de seus sentimentos estava preparada para encarar a ferocidade de uma enorme tempestade tropical. Sentia-se cansada. E naquela noite, permitiu-se relaxar. Afrouxou os cabos de sua emoção e se deixou levar ao sabor do vento.

Ao longe, ouviu o som de tambores modernos...Por um instante, tentou ignorar. Não conseguiu. Era ele. Ainda bem que não ignorou o chamado!

Ela havia passado o dia velejando e ouvindo os conselhos de Nora Jones e não soube dizer se o turbilhão que emaranhava seus pensamentos vinha desses conselhos ou se ela já estava sobre os efeitos do eclipse lunar.

O fato é que se permitiu, naquela madrugada, a bordo do Netuno, ficar olhando para aquele imenso satélite que prateava as águas abrigadas de seu descanso e que roubava de suas lembranças pinceladas de sonhos para desenhar uma nova tela com rostos e corpos a fazer amor.

Realidade fantástica, concluiu sem externar o pensamento.

Naquele instante, pensou ter visto o próprio Éolo soprando rajadas sobre as águas e trazendo consigo, na força de sua respiração, o sopro vívido das palavras tão esperadas. Eles estavam prometidos um ao outro. Ela sabia. Ele sabia. Teimosos queriam se deixar ser guiados apenas pelos falhos equipamentos da razão. Mas ambos são pura emoção...

Um sábio Espírito velho já os havia alertado que não haveria distância que não fosse percorrida por eles. Que o amor que os unia vida-a pós-vida superaria coisas das quais pensaram um dia ser insuperáveis.

Mas foi ao ver o Deus dos ventos trazer notícias do lado de lá que ela se lembrou do último aviso xamânico que recebeu: “Quanto mais correrem...Mais se jogarão nos braços um do outro. A distância trará a consciência do quanto precisam estar perto.”

E foi na mítica deste momento que a lua cheia foi lentamente sendo encoberta, sendo tingida de vermelho. A lua ficou ruborizada. Os incrédulos chamaram de eclipse lunar o fenômeno simbólico provocado pelos deuses. Mas o satélite estava consciente de que estava presenciando um reencontro há muito esperado.

Ela ficou estática, olhando para o céu, observando seus ancestrais apagarem lentamente o brilho da lua e aumentarem no mesmo ritmo a incidência do brilho do pôr-do-sol que escoava pela atmosfera terrestre.

Ele finalmente disse que a amava... Não fosse seu sangue indígena a paixão daquele momento teria lhe toldado a visão da realidade para sempre. Pensou em largar tudo e ir de encontro ao seu destino. Mas prometeu esperar porque sabe que quando ele vier será para sempre. E deste ritual de amor sobrou um registro no céu que a humanidade batizou de LUA DE SANGUE.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

#ZIP: Nem Barbie, nem Penélope, nem Radical Chic

Por Patricia Leite



De repente, percebeu que se transformou no avesso do que lhe moldaram para ser. Mas, apesar de disfarçar muito bem, aquele espécime era a típica mulher contemporânea, com seus conflitos, dilemas e novos papéis.

Definitivamente, ELA não era e não é o modelito Barbie, vestidinha de rosa. Tampouco a Penélope Charmosa. ELA está longe de ser a garota Mimimi... Ao contrário... ELA despeja, por onde passa, claros sinais de alteridade, misturados ao aroma de perfumes caros.

Sim, ELA deixa rastros e claros códigos do sucesso que alcançou. Anda sobre grifes de salto 15 e roupas exclusivas. Mas compra uma ou outra peça em uma feira de moda ou loja de departamento... e sente-se confortavelmente em contato com suas raízes.

ELA detesta shopping e a agitação dos grandes centros. Todavia, quem a conhece pouco logo pensa: excentricidades da Radical Chic. […] Mas este pensamento é um grande erro na leitura do código de barras que a identifica.
Quem a conhece de verdade então diz: Não, ELA não é assim!!

ELA é […] e tentam descrevê-la. Bom...hãmmm... A pouca estatura lhe confere um contraponto da personalidade que exibe, sem falsa modéstia. ELA é um gigante escondido em uma versão compacta de mulher. Sabe que para constituir uma individualidade é necessário um coletivo e tem consciência de que todo e qualquer ser social interage e interdepende do outro.

Mas para resolver este abismo entre o que ELA é e o que precisa que pensem dela, ELA inventou um personagem, empenhou-se em desempenhar o papel com primor. Merece o Oscar de melhor atriz pela brilhante atuação. Uma protagonista que assina o roteiro e dirige o próprio filme.

[…] Mas, ainda assim, ELA não se orgulha da independência que conquistou.

Não que ELA seja uma farsa. Longe disso. Mas precisou de um disfarce para sobrevir as exigências impostas pela hipócrita sociedade da inclusão e do consumo.

ELA é uma mulher zipada. Mas que não vê a hora de “descompactar” seus arquivos secretos e seguir seu verdadeiro destino.

ELA é ZIP...
ELA sou eu...
ELA é você...
ELA “é” nós...
ELA nos representa!!!

Você deveria conhecer esta mulher. Mas a escolha é sua.