sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

INADIÁVEL

Por Patrícia Leite



Resolveu que ia cumprir uma série de metas antes de investir na própria felicidade. Tudo era, por assim dizer, procrastinável. Havia muito a ser feito, antes de se dedicar a este estado de boa sorte, racionalizou, como sempre.

Embora, naquele período da vida, gozasse das características e condições necessárias de um ser pronto para ser feliz e, a despeito de derramar por onde passava a sensação real de satisfação plena e exibir aquele estado de contentamento, estava decidido. Iria apenas cuidar para não tropicar na infelicidade enquanto colocava tudo em ordem.

Evitou esbarrões com a tristeza, desviou de encontrões com a solidão e seguiu em frente, praticamente marchando rumo aos objetivos da vida prática.

Mas há coisas que não se consegue adiar, que não pode ser postergado ou posto de lado para logo mais. Por hábito, sentou-se diante do oráculo e perguntou: – Posso adiar minha felicidade plena para daqui a um tempo?

Aguardou resposta. Mas o silêncio gritava-lhe desaforos. Uma tempestade de impropérios insurgia da ausência da resposta. Conforme a falta de qualquer ruído real se arrastava era possível ouvir os berros de um discurso ofensivo e injurioso destinado a repreender o autor da pergunta.

Como alguém ousava querer adiar, abrir mão de ser imediatamente afortunado? Como se isso fosse possível. Adiar a própria ventura?

Este não é um bem que se possa fazer um seguro. Não dá para pensar em fazer uma espécie de “reserva”. – Guarde minha felicidade. Volto para buscar em alguns anos.

Oiii!? Perdeu o juízo, pensou o oráculo.

Criatura, não é uma passagem que se compra, uma hospedagem que se possa agendar com antecedência. Não há seguro de acidentes pessoais no percurso. Não há Pagamento de indenização ao suposto segurado em caso de acidente pessoal que ocasione invalidez permanente, parcial ou total, por ter aberto mão de viver este estado de felicidade.

Portanto, evite os procedimentos burocráticos se prevenindo de forma supostamente inteligente. A hora de ser feliz é agora. É já. Felicidade foi feita para destemidos. Não, não há garantias. Quem quer ser feliz tem pressa.




quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Garimpeiros Contemporâneos

Por Patrícia Leite
Peneiragem... Uma busca por riquezas.
De todas as explorações extrativas conhecidas, a meu ver, a forma mais devastadora é a que explora o solo do ser. E esta exploração, se feita sem a ética das relações humanas, geralmente, faz uso de técnicas absolutamente predatórias que provocam a extinção de uma espécie muito especial: os puros de espírito.
O garimpo, grosso modo e pelo que sei, é uma forma de extrair riquezas. Beneficia poucos, utiliza-se de poucos recursos, baixo investimento, equipamentos simples e ferramentas rústicas. Mas, apesar da aparente simplicidade do processo, o ser submetido ao processo de garimpagem afetiva sai da relação, na maioria das vezes, irrecuperavelmente devastado e contaminado pela capacidade de manter latente e nunca libertado o convívio estreito com o amor.
Peneiragem... Uma busca por riquezas.
Há vários tipos inescrupulosos de garimpeiros. O pior da categoria, todavia, é aquele que se dedica a garimpagem de emoções efêmeras. Este, sim, muda a fisionomia da paisagem humana!  
Por causa das suas técnicas avançadas, desenvolvidas ao longo dos anos, e utilizadas em seus desmontes das naturais barreiras de proteção do outro que não o habita o garimpeiro implode, destrói, devasta.
Peneiragem... Uma busca por riquezas.
Esta técnica tão primitiva de extração traz a reboque de sua própria história a morte. Pois que o garimpeiro, no exercício das funções, por vezes, é soterrado durante a execução do próprio “trabalho” e invariavelmente leva consigo outros tantos desafortunados.      
Peneiragem... Uma busca por riquezas.
Em busca destas riquezas e encontrando apenas ouro de pobre, as relações afetivas foram mercantilizadas e a cada dia estão muito mais vazias de valores. O que deveria ser uma troca equânime, o que deveria ser prazer mútuo, mistério e encantamento passou a obedecer a uma lógica mercantilista e utilitária.
Peneiragem... Uma busca por riquezas.     
Casamentos transformaram-se em negócios. E o sexo entre pares afins, instante onde deveria haver apenas uma troca natural de energia entre corpos e mentes que se identificam e proporcionar apenas prazer, transformou-se em moeda de troca, mecanismo automatizado em busca de faíscas de ínfimos tesouros nas calhas de lavação da alma alheia.
Peneiragem... Uma busca por riquezas.
A procura do vil contato descompromissado, os minerais nobres, o ouro do comportamento é inadequadamente explorado nas relações humanas. E, às vezes, os resultados desta relação de negócios, em que só um lado ganha, são avassaladores e aniquilam a função plástica e emocional que regula a paixão, o amor e os sentimentos mais nobres.
Peneiragem... Uma busca por riquezas.
Os garimpeiros das próprias vantagens agem como o mercúrio metálico perdido durante o processo de separação do ouro e outros metais. E como não poderia deixar de ser, é altamente prejudicial a sua “vítima”.
Este processo altamente tóxico provoca um câncer sentimental, para os que realmente se entregam. Provocam danos irreversíveis. Mas o câncer não é o pior de todos os males. As maiores sequelas causadas por esta intoxicação se dão no sistema nervoso, podendo levar à perda da razão e a deformidades das interações.

Peneiragem... Uma busca por riquezas a qualquer preço?