quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

NANANINANÃO!!


Por Patrícia Leite

A violência atravessou a vida daquele ser com tanta ferocidade que era impossível não pensar como pôde sobreviver.

Os pais se separaram cedo e logo se casaram com outras pessoas, antes mesmo que ela pudesse completar três anos. A infância lhe foi roubada e prematuramente as bonecas foram deixadas de lado.

Todos os dias, aquela criança brincava de luta com irmão. Perdia sempre, porque parecia um “espirro” de tão mirradinha que era. Mas no outro dia estava lá...Brincando de luta novamente. O judô era a técnica usada e o golpe mais treinado era, não por acaso, o mata leão.

A dislexia acentuada não a impediu de graduar com louvor. E já adulta o desempenho profissional orgulhava a todos. Começou a trabalhar cedo, não porque tivesse necessidade financeira, mas porque necessitava ser livre dos excessos de ameaças, opressão, medo, insegurança, abusos.

Lutar...Lutar...Como lutar? Perguntas que lhe roubavam o sono todas as noites ou a assombrava em pesadelos de derrotas. Quem deveria protegê-la e amá-la sentenciou-a ao sofrimento diário, a angústia permanente e por fim a solidão dos reclusos em si mesmo.

Aprendeu a sorrir em público, mesmo com a alma rasgada. Empenhou-se mais que qualquer outra criança para obter sucesso nos estudos. Sim, foi vítima. Foi um “brinquedo” manuseado pelo mal. Mas trazia no espírito a certeza que o mal não triunfaria.

Seus amigos, a mãe, o irmão e sua fé eram seus pilares emocionais. A liberdade parecia ser um “regalo” intangível. Pediu muitas vezes este presente de Natal. Mas, ano após ano, Papai Noel trazia tudo: brinquedos, roupas, sapatos, viagens. Mas sua liberdade não trazia.

Parou de esperar. Já não acreditava mesmo, há muitos anos, em Papai Noel. Ela se daria este presente e se deu. Deu e compartilhou com o mundo. E ensinou ao mundo que não esperasse e corresse atrás.

Ela se sentia mais segura na rua. E isso não estava certo. Era uma prisioneira do medo. Mas deixou de ser no momento em que decidiu romper o silêncio e denunciar ao mundo o que acontecia. Encontrou a liberdade, finalmente. Se deu esse presente.

Muitos ficaram surpresos. Muitos não podiam crer que algo tão ruim pudesse estar tão dentro de casa. Crescemos ouvindo que os perigos estão na rua. Que a casa é o nosso lugar de conforto e segurança. Mas ela não é uma história isolada. Ela é parte de uma estatística assustadora. Mas ela não quer ser apenas um número e nem eu posso permitir que ela o seja. Pessoas não são números, principalmente números que nos envergonhem.

Neste finalzinho de ano, em nome desta criança, que prefere ser lembrada pelas inúmeras vezes que se levantou de suas quedas e de seus sofrimentos e em nome de todas as crianças do mundo, eu peço de presente de Natal atrasado, muito atrasado, a papai do céu, que nenhuma criança mais tenha sua infância roubada.

Aos homens e mulheres de bem, que fazem ou não parte do meu círculo de amigos, vou aproveitar e dar uma de pidona. Por favor, presenteiem todas as crianças do mundo, sejam vocês ricos ou pobres. Sejam 365 dias do ano o papai ou a mamãe Noel destas crianças.


* O abuso sexual infantil é crime. Denuncie!

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