quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

“CAFACANALHADA”

Por Patrícia Leite





“Estou muito mais para cafajeste do que para canalha”, disse sem cerimônia.

Mentalmente, ela antecipou o que seria vomitado daquela boca suja e sem modos e ficou rubra só de imaginar com que falta de decoro ele explicaria a diferença entre os dois tipos de indivíduos e de como certamente isto seria explicado no seu habitual arsenal de vocabulário chulo.

Ela, uma amante das palavras, desejou intensamente que ele definisse as diferenças com uma linguagem menos torpe. E, em detrimento do enorme constrangimento que sentiu, pediu a ele que explicasse sua teoria “cafacanalhada”.

– Eu nunca minto ou iludo uma mulher com qualquer propósito escuso. O homem cafa é aquele que você sabe que é HOMEM. E 90% dos homens tendem a isso. Se são homens, são cafa, sentenciou. E eu estou incluso nesse universo e isso te dá uma segurança com relação a mim. Sou HOMEM.

Realmente, hoje é difícil saber claramente quem é ou não homem. Pensou ela, mas não proferiu palavra. Aguardou em silêncio.

– O canalha eh diferente... Ele ilude, seduz, consegue o que quer e depois a mulher fica sem chão. Mas tudo isso são percepções parciais.

No fundo, pensou ela. Todos estão perdidos em seus papéis. Ele pareceu ler seus pensamentos...

– Eu confesso que tenho tido uma certa dificuldade. Sou romântico, gosto de namorar. Meus relacionamentos pretéritos duraram anos. E quando namoro, eh para valer... Janta comigo???

[...]

No romance, nesse espaço do incerto, não dá para ser santa e nem puta. Mas houve, para dizer o mínimo, ingenuidade por parte dela. Simplesmente, se deixou lotear. Simplesmente doou sua alma romântica ao estrangeiro de si e de sua vida pacata. Há muito, ela havia declinado da vida agitada e cheia de correria.

Ele notou. Sim, ele notou e desorganizou aquela casa arrumada. Deixou o coração dela aos pulos. Mordeu-lhe o juízo. Cortou o cinto de segurança, ferveu-lhe o sangue. Colocou tudo de cabeça pra baixo. E fez toda esta bagunça a luz de velas e ao som do melhor dos clássicos da MPB. Ele misturou, em uma coqueteleira invisível, uma pitada do canalha e uma dose cavalar do cafajeste que ele hospedava naqueles olhos de ébano.

E por todo lado aromas selvagens impregnavam o tecido dos lençóis, das roupas e principalmente o tecido dourado de suas peles morenas. Aninhados, braços e pernas entrelaçadas, adormeceram sem saber se é possível ou não, eles ou qualquer outro casal, oferecer um ao outro um dia branco, apenas. Num pedaço de qualquer lugar, como diria Geraldo. Sim, o Azevedo.

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