segunda-feira, 15 de março de 2021

#365 CONCHINHAS

Por Patrícia Leite - [13.3.2021]


Há um ano, liguei apavorada para o meu Maranhão, a quem eu já chamava de meu Preto e que carrega em seu registro de nascimento o nome de Inorbel. 

Como ele mesmo gosta dizer, seu nome é fruto do amor de seus pais.  O menino Inorbel, nascido na pequena ilha de São Luiz – Maranhão, traz no nome um [R] responsável por fazer a ponte entre a primeira sílaba do nome de Seu Inocêncio [O PAI] e a última sílaba de Dona Isabel [A MÃE]. 

Pontes... 

Pensando bem Preto já nasceu para ser ponte – essa estrutura primal que liga duas partes, que estabelece comunicação entre dois pontos. E porque não dizer, em alguma medida, que estabelece a ligação entre duas pessoas. 

Ponte... Essa grande estrutura que finalmente me levaria ao meu destino derradeiro, que me levaria em uma viagem sem volta... Tinha nome e sobrenome. Inorbel de Jesus Alves Viegas.

E por falar em volta, voltemos aos fatos.

Liguei apavorada para meu Preto porque meu filho teria que fazer uma quarentena. Ele tinha entrado em contato com pessoas que haviam testado positivo para COVID-19 e eu, por segurança, teria que ficar uns dias fora de casa. 

E foi buscando segurança que eu pensei e pensei... Vou pra onde?? Vou para fazenda?? Para um hotel?? Para casa de um dos meus irmãos ou vou pra casa do meu AMOR. Ganhou a casa do meu amor, é claro! Sábia decisão.

A gente nem imaginava o que ainda estava por vir. Pensávamos que seria uma quinzena de afastamento social e logo as coisas voltariam a “normalidade”. Mas os dias foram passando, passando e eu fui ficando...ficando...Comecei a trabalhar remoto, ele também, depois ele voltou para o presencial, eu segui remoto... E os dias seguiram passando...passando. E eu ficando...Ficando...

Adeus saídas... Adeus apertos de mão, adeus abraços e adeus beijos em parentes.  Adeus encontros de família, adeus aos cafés com os amigos... 

Os rostos ganharam máscaras, as mãos ganharam luvas, os sapatos passaram a dormir no capacho do lado de fora. 

Os calçados que tiveram o “privilégio de ir passear pela rua só podiam retornar para a sapateira depois de lavados ou desinfetados com álcool 70. E, eu confesso,  secretamente eu os invejava. Eles podiam caminhar, correr, saltar e pular com quem tivesse que ir lá fora. Eu seguia da porta pra dentro.

As roupas?? Essas saíam do corpo de meu Preto, ao chegar da rua, e iam direto para o balde repleto de sabão e água sanitária. 

E eu que cheguei aqui apenas com uma pequena mochila, meia dúzia de mudas de roupa, algumas lingeries e um sapato preto básico... me revezava numa lavação sem fim dessas poucas peças. Era o que tinha... E tinha que ser assim...

É... Parece que foi ontem que eu cheguei por aqui, trazendo o mínimo de coisas e o muito de minha alegria. Sim, isso foi praticamente tudo o que eu trouxe comigo. Poucas peças e muita alegria.

Foi tudo tão rápido que até o chinelo ficou para trás, o pente, a escova de dentes, o desodorante e o perfume também. 

De repente, nós dois, precisávamos aprender a trabalhar em casa. Não tinha hora pra começar ou terminar a rotina profissional. Estávamos perdidos. 

Evitávamos ir na rua até para fazer compras de mercado. Quando íamos trazíamos tudo em grandes quantidades para não ter que voltar a sair tão cedo. O maleiro virou despensa de mantimentos e o pequeno congelador virou freezer.

A vida virou do avesso. Casa de homem solteiro todo mundo tem uma ideia de como seja... Mas nem sempre é o que pensamos. Preto, por exemplo,  é do tipo que sabe cozinhar e cozinha bem, mas normalmente optava por comer na rua, perto do trabalho. 

E eu que cheguei, de repente e quase sem nada de paraquedas na vida dele... Ganhei uma gaveta, umas prateleiras, um espaço na sapateira e no cabideiro e um seja bem-vinda você está em casa.

Aquele apartamento tão familiar evoluiu pra lar, para lugar seguro. Tivemos que nos adaptar aos novos tempos. Passamos a fazer todas as refeições em casa. Sem forno...Fizemos da airfryer [fritadeira elétrica] churrasqueira, panificadora, assadeira e tudo que você possa imaginar. 

Juntos passamos a cozinhar, passar roupa, fazer faxina. Também cuidamos com afinco do emprego de onde vinha o sagrado dinheiro do salário, nosso ganha pão. Viramos editor, redator, diretor, produtor e cinegrafista um para o outro. Fosse na hora de gravar vídeo DOCs, fosse para os VTs da TV, ou para as apresentações musicais do coral, vídeo- palestras e muito mais...

Nesses últimos tempos, nós nos pós-graduamos em muitas áreas. Viramos psicólogos, enfermeiros, especialistas em floricultura de pequenos ambientes. Aprendemos a fazer live, reunião on line, aprendemos essencialmente a transformar o mundo presencial em virtual e a se encontrar e a se reconectar dentro desse novo UNIVERSO PARALELO. 

Dessa forma, aproximamos distâncias... 

Fizemos festas temáticas só para nós dois. Jantares com comidas típicas de lugares que sonhamos visitar mundo afora. Tivemos e temos jantares a meia-luz, a luz de velas, as claras, as escuras. Tivemos, inclusive,  “jantares insones”, regados a sobremesa de frito de banana [Cartola], no meio da madrugada.

Tivemos também um substancial aumento de peso. Sim, a barriguinha cresceu. Nesse período, virei nutricionista e Personal Trainer. Aaah... O cabelo também cresceu, a barba também. Decidi que dava conta de ser barbeira. Foi um desastre... [risos]. Nessa época, ele ganhou o carinhoso apelido de SONIC.

Depois, pra perder a barriga [só a dele cresceu – risos]  e ele resolveu treinar para as suas corridas. E fez do apartamento pista de atletismo... nesse período, eu virei manicure. Pintei as unhas com sombra e passei base em cima pra “fingir” que estava de unha feita. Passei também a pintar os meus cabelos para esconder os brancos. Fiz e faço maquiagens elaboradas e coloco vestidos longos pra sair do quarto para a sala. Quem vê pensa que estou indo para um festão. Na verdade estou. Numa festa com ele. Sempre com ele e ele também se arruma todo.

Ás vezes, estou em um cômodo e ele noutro escrevendo poesias que nos salvam e salvam amigos e parentes.

Mas o bom de tudo isso... O “BÃO MESMO”... É que a gente morre de rir disso tudo. E os dias vão passando e as noites vão chegando e quando a noite vem é “BÃO” também. É bom de outro jeito, de um jeito só nosso.

Sabe... A gente só dorme de mão dada, depois de um beijo de boa noite. Ah!! Isso é “BÃO”. Como isso É “BÃO”.

Quando o dia clareia, juntos acendemos velas para os nossos santos, enquanto rezamos, já não estranho o encontro entre o sagrado e o profano – na maioria das vezes estou nua e sentada em seu colo, sem ter sequer passado pente nos cabelos ou escovado os dentes –,  agradecemos por seguirmos alegres e sem sermos contaminados.  

Nem o vírus, nem a intolerância, nem os ódios despejados nas calçadas nos alcançam. Primeiramente, porque temos DEUS na linha de frente. Em segundo lugar 
[segundamente, como gostamos de brincar], porque temos uma alegria genuína de jovens maduros que encontraram seu grande amor. Há dias fáceis e outros nem tanto.

O tempo passou, 2020 se foi, 2021 chegou e com ele chegou a vacina. Chegou para os nossos pais. Mas ainda não chegou para mim ou para ele ou para os nossos filhos, muito menos pro nosso neto. Chegou, mas não chegou... Chegou para alguns poucos a vacina contra o vírus. Com ela chegou  também uma gota de esperança, uma dose de abraços. E um recomeço. Ainda não voltamos aos encontros de família, aniversários, Natal, Ano Novo... Tudo isso  ainda é apenas um desejo.

Foi e tem sido difícil para muitos. Às vezes, para nós também. Choramos os amores que deixaram este plano. Choramos o LUTO mundial, choramos a distância, mas rezamos por todos. E somos gratos por estarmos juntos neste confinamento. Quando todos tiveram que se afastar, nós nos juntamos. Decidimos seguir juntos, lado a lado nessa louca estrada da vida.

A pandemia adiantou nossos planos. CASAMOS na pandemia. Um ano dormindo de conchinha, respiração tranquila num planeta sem ar. 

Como é bom, meu Preto, deitar em seus braços e adormecer no compasso da batida do seu coração. Somos [nós dois] um país em seu próprio rumo, em crescimento, somos um mundo em seu verdadeiro destino, um amor celebrando o seu melhor encontro. 

Com ou sem vírus, com ou sem pandemia. O AMOR é o que nos conecta. Esse foi o caminho que escolhemos trilhar juntos. Esta é a nossa poesia. Um brinde a vida e a chegada de muitos outros #365. 




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