sexta-feira, 18 de outubro de 2019

CRÔNICA: MÚSICA, VINHO E CAFUNÉ


Por Patrícia Leite



Sábado, à noite, quando desci as escadas de minha casa, os ponteiros do relógio marcavam um quarto de hora depois das oito. Eu estava atrasada.

Ainda assim, detive-me um tempo a mais na escadaria e fiquei admirando as sombras e as luzes que a lua cheia projetava solene pelo cobogó. Era poesia platinada.

As luzes dos faróis, aqui e acolá, lançavam punhados de luz dourada. E era possível ver o dourado tirar a platinada para bailar entre uma passagem e outra dos automóveis.

E foi com esse espetáculo de luz e sombra ainda rodopiando na retina que eu entrei no carro e liguei o som.

O som rouco da voz de Maria Betânia interpretava uma canção de Dori Caymmi e Paulinho Pinheiro: “É o Amor Outra Vez”.

Um trecho da música invadiu meus ouvidos, meus pensamentos, minha alma e visitou meus sentimentos. Sim, era assim que eu me sentia.

“Quando o amor se hospedou, todo o mal se desfêz, toda dor teve fim, pois quem cuida de mim é o amor outra vez”.

No dia seguinte, muito cedo, eu tinha uma regata importante e o poeta uma corrida. Ainda assim, queríamos jantar juntos, ouvir música, rir, jogar conversa fora e dormir de conchinha...

Estacionei o carro embaixo das longas palmas do coqueiro que fica, exatamente, em frente a janela do quarto e de onde cantam os passarinhos, ao amanhecer, para nos despertar...

Como de costume, mandei uma mensagem: “cheguei! ” E recebi de volta a cordial resposta de sempre: “seja bem-vinda! ”

Uma deliciosa refeição à luz de velas nos aguardava harmonizando perfeitamente com um tinto vinho extraído de uma de minhas uvas prediletas: Anciano Gran Reserva – 10 Años Tempranillo, 2007.

Anciano tem um buquê singular. Mescla notas de café, chocolate ao leite e pimenta, em um fundo delicado de ervas.

Foi nesse cenário elegante, enfeitado com um belíssimo arranjo de flores silvestres, que ele repousou a cabeça em minhas pernas.

Seus cachos grisalhos enrolados em meus dedos exalavam um delicioso e adocicado cheiro de coco. Tudo era puro torpor.

No CD, Caetano, irmão de Betânia, cantava “Você é Linda”, com a mansidão de sempre.

Quando o CD parou, segui cantarolando e movendo vagarosamente os dedos entre aqueles caracóis de prata.

Um gesto intenso de carinho, doses cavalares de respeito, intimidade e amor: CAFUNÉ.









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