Por Patrícia Leite
Sábado, à noite,
quando desci as escadas de minha casa, os ponteiros do relógio marcavam um quarto
de hora depois das oito. Eu estava atrasada.
Ainda assim,
detive-me um tempo a mais na escadaria e fiquei admirando as sombras e as luzes
que a lua cheia projetava solene pelo cobogó. Era poesia platinada.
As luzes dos faróis,
aqui e acolá, lançavam punhados de luz dourada. E era possível ver o dourado tirar
a platinada para bailar entre uma passagem e outra dos automóveis.
E foi com
esse espetáculo de luz e sombra ainda rodopiando na retina que eu entrei no
carro e liguei o som.
O som rouco da voz de Maria
Betânia interpretava uma canção de Dori Caymmi e Paulinho Pinheiro: “É o Amor Outra Vez”.
Um trecho da música invadiu meus ouvidos, meus pensamentos, minha alma e
visitou meus sentimentos. Sim, era assim que eu me sentia.
“Quando o amor se hospedou, todo
o mal se desfêz, toda dor teve fim, pois quem cuida de mim é o amor outra vez”.
No dia seguinte, muito cedo, eu tinha uma regata importante e o poeta uma
corrida. Ainda assim, queríamos jantar juntos, ouvir música, rir, jogar
conversa fora e dormir de conchinha...
Estacionei o carro embaixo das longas palmas do coqueiro que fica,
exatamente, em frente a janela do quarto e de onde cantam os passarinhos, ao
amanhecer, para nos despertar...
Como de costume, mandei uma mensagem: “cheguei! ” E recebi de volta a cordial
resposta de sempre: “seja bem-vinda! ”
Uma deliciosa refeição à luz de velas nos aguardava harmonizando perfeitamente
com um tinto vinho extraído de uma de minhas uvas prediletas: Anciano Gran Reserva
– 10 Años Tempranillo, 2007.
Anciano tem um buquê singular. Mescla notas de café, chocolate ao leite
e pimenta, em um fundo delicado de ervas.
Foi nesse cenário elegante, enfeitado com um belíssimo arranjo de flores
silvestres, que ele repousou a cabeça em minhas pernas.
Seus cachos grisalhos enrolados em meus dedos exalavam um delicioso e adocicado
cheiro de coco. Tudo era puro torpor.
No CD, Caetano, irmão de Betânia, cantava “Você é Linda”, com a mansidão
de sempre.
Quando o CD parou, segui cantarolando e movendo vagarosamente os dedos
entre aqueles caracóis de prata.
Um gesto intenso de carinho, doses cavalares de respeito, intimidade e amor:
CAFUNÉ.
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