terça-feira, 3 de março de 2020

A descabelada (La Chascona)


Por Patrícia Leite




Por aqui, os dias terminam tarde. O sol, com preguiça de ir se deitar, reluta, não deixa o dia amornar.

O astro rei, se veste de vinho, antes de ir, "ROJO" - como dizem por aqui. E eu que não gosto de vermelho, me entrego. É lindo. O sol percebe.  Danado como criança sapeca incendeia a cordilheira e parece sorrir da forma como escorrega pela encosta. Um tobogã natural. Tudo nos convida a brincar. O fogo de seus raios, parecem cabelos e sua luz lambe os ANDES pelo máximo de tempo que pode e tudo isso me aquece, penso enquanto admiro todo aquele rubro incandescente.

[···] Fecho os olhos... Me vejo em um turbilhão.

De repente, sinto uma respiração cadenciada em minha nuca.

E aquele hálito familiar me envolve, se enrosca em mim, em minha pele e aí já não sei mais dizer se é o pôr do sol ou o toque encarnado daquela boca em meus ombros nus que me faz voar.

Fecho os olhos e escuto o mar de Isla Negra batendo escandaloso nas pedras.




A cama posicionada a contravento revela a proa do barco. E eu sou a capitã.

Por segundos, do alto da amurada, com os cabelos assanhados sou " La Chascona" de meu Neruda Personale", como gostamos de brincar.





De repente, somos pipa... De repente, voamos nas asas das borboletas, nas fumaças dos cachimbos, no vento que tremula a bandeira, no arco-íris que risca a ventana da casa de Pablo.

Somos relicário e a casa vira céu.

Os anjos pendem do teto e nos olham. Revisito o passado... Olho para o futuro... Tomo o leme e mudo a rota do destino.

O improvável acontece... Estamos juntos no mesmo barco, no vendaval e na calmaria. Abro os olhos... Retorno daquela NAU em teus braços. Cansada, feliz e solta.



Livre corro sobre um barbante que me leva ao seguro voo do papagaio.

A poesia está mesmo na brisa, está igualmente nas ventanias... A poesia está em nós.

Súbito me dou conta...É real.







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