Por Patrícia
Leite
Quando finalmente
tivemos a coragem de colocar um fim naquela relação que vinha sendo forçadamente
aquecida em banho-maria, numa tentativa inútil de manter vivo o que já estava, há
tempos, gelado como cadáver, mergulhei nas águas da solitude, me perdi em correntezas
de vazios e estranhamentos. Mas deixei a força do rio me levar.
E como todo rio
corre para o mar, pude ver os sedimentos amealhados ao longo do curso de minhas
águas e meus seixos: fragmentos de acordos,
cascalhos de hábitos, calhaus de amor. Quando se vive muito tempo imerso num
pseudo-relacionamento é difícil abrir as comportas, deixar ir.
Eu estava atormentada,
brava comigo mesma, por ter demorado tanto tempo empurrando o inevitável com a
barriga. Eu parecia mar de ressaca. Os nervos eram como ondas violentas
estourando na areia.
Por anos, eu
havia abandonado a minha própria natureza de ser. Eu estava quebrada como ondas
raivosas. E esse mar revolto invadia a minha urbanidade e destruía todo verniz
social que me fora imposto. Quanto tempo desperdiçado. Esse era o meu cenário
interno. Destroços. Uma visão aflita do que foi, do que não deveria ter sido e que
não poderia ser modificado.
De repente, me
percebi. Eu estava, pela primeira vez, batendo suave na areia, como o mar em
maré baixa, em dia de pouco vento e céu de brigadeiro. Os azuis se tocavam, o
do céu e o do mar. Um estado de autocontemplação do oceano que há em mim.
Estávamos
acostumados um ao outro, velhos hábitos e recordações, mas o amor já não era
mais um prato saboroso à mesa. Era um prato frio e ensosso.
A frase sentença
da cantora Nina Simone rodopiava em minha mente: “Você tem que aprender a
levantar-se da mesa quando o amor não estiver mais sendo servido”.
Ela estava certa. Não havia mais sentimentos ali.
Quando emergi daquela
zona abissal
do costume de estar junto, deixei de cometer “gafes à mesa”. Me retirei.
Finalmente, eu estava novamente viva, plena.
Por quê?? Porque
não nasci de forja morna. Sou ferro em brasa. Sou como o aço de Damasco – forjada em altas temperaturas para ser lâmina de espada de borda afiada e
resistente, com faixas e manchas que lembram fluxo de água.
Por que a vida é isso: alta temperatura, resistência,
fluxo, um fio.
#pedras
#pidrasrojas
#areia
#mesa
#música
#comida
#separação
#rio
#espada
#aço
#açodamasco
#ninasimone
Nenhum comentário:
Postar um comentário